A dependência química é uma doença que pode estar relacionada com a família, uma vez que quando há histórico de abuso de substâncias os riscos de outras pessoas na família desenvolverem são maiores.
Há também o fato da dependência química ser uma doença biopsicossocial que afeta toda a família. Por isso, muitas vezes a saída mais comum dessas é a superproteção ou o abandono.
Muitos podem entender como uma falha de caráter, porém a dependência química é uma doença, classificado pelo CID (código internacional de doenças) como F19 – transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas.
Por isso, a importância da família serve como um suporte essencial, podendo oferecer apoio e compreensão para que o dependente possa prosseguir no tratamento ou dar início a um.
Os desafios do tratamento do dependente químico
O tratamento do dependente químico é complexo e cheio de etapas com desafios a serem superados, a começar pela própria ideia errada que muitos familiares e o próprio dependente ainda possuem de que a dependência química não é uma doença.
Além de reconhecer a doença, é preciso que o dependente também entenda os males que ela causa na sua vida.
Após a aceitação pode acontecer que a pessoa tenha vergonha de assumir à família e amigos que é um dependente químico e iniciar a busca por tratamento, justamente pela visão que a sociedade tem dessa doença.
Durante o tratamento da dependência química quando o paciente já estiver com maturidade ele precisará enfrentar as ações e comportamentos que realizou durante o período de adicção, e precisará de suporte emocional para que supere esses momentos.
Por vezes é difícil para a família entender que durante a reabilitação as ações, ajudas e terapias são em função da melhoria do dependente e não do dependente em si, pois não é para ficar satisfazendo todas as vontades do dependente.
Família e dependência química
A importância da família do adicto se constitui como um suporte e apoio muito importante em seu restabelecimento e recuperação, pois é nela que eles conseguem encontrar conforto, confiança e motivação para seguir em frente no seu tratamento.
A família nesse processo é o caminho para o equilíbrio e sustentação do adicto em seu processo de recuperação.
A família tem importância central no processo de construção da base de uma pessoa.
Nossa primeira noção de certo e errado, algumas qualidades e defeitos, modo de agir e de pensar vem de nossa experiência com a família, principalmente durante a primeira infância (período de 0 a 6 anos) quando a influência primária é a única até a chegada da escola.
Como a família influencia no tratamento da dependência química?
Pode-se dizer que há um padrão no pico da dependência: a família cede e resiste até o limite, costumam acreditar que podem reverter a situação sozinhos ou entram em negação.
Mas isso dura pouco, pois o dependente sucumbe e a frustração passa a tomar conta da família também e tudo então, é “contaminado”: relacionamentos, dinheiro e claro, a saúde.
Esse ciclo vicioso pode ser quebrado com cada membro assumindo um papel na recuperação do dependente, tirando dele o foco e o peso.
É imprescindível que a família também participe das reuniões com profissionais de saúde, pois, por mais que familiares possam ter medo dos dependentes ou acobertam suas falhas e acreditem cegamente em suas promessas, cada um tem seu próprio “poder familiar”, por assim dizer.
Portanto, esse apoio é tão essencial quanto a persistência e verdade seja dita, dependentes são altamente sujeitos a recaídas e muitos passam por tratamento mais de uma vez até recomeçar a vida de fato.
Por meio do acompanhamento da família os dependentes químicos passam a receber atenção e apoio, não somente em relação aos seus sentimentos negativos, como também recebem informações importantes para o esclarecimento da doença da adicção e consequentemente possibilita o melhoramento no relacionamento familiar.
A família fornece informações importantes para que os profissionais façam o planejamento do seu tratamento, colaborando com o processo de diagnóstico do adicto, e também com os tipos de intervenções que serão mais adequadas para ele.
O processo de co-dependência na família do dependente químico
O processo de co-dependência se refere a indivíduos que possuem uma forte ligação emocional com pessoas dependentes de substâncias psicoativas.
Ela está relacionada a qualquer indivíduo que está em contato direto com o dependente químico, manifestando excessivas preocupações com ele, gerando assim uma dependência emocional.
Sendo assim, acabam passando grande parte de seu tempo o ajudando e deixando de lado seus próprios afazeres. Geralmente, os mais afetados são os familiares dos dependentes, mas também pode acabar afetando os cônjuges, amigos ou vizinhos.
Estes podem acabar acreditando que só será feliz novamente quando conseguir ajudar o adicto com êxito e assim, acabam colocando as necessidades dele acima das suas.
Algumas vezes pode acontecer de os codependentes pagarem as dívidas, fianças, aluguel e despesas do dependente químico, e até mesmo podem chegar a dar dinheiro a ele, incentivando ainda mais o processo de dependência, essas situações podem solucionar de modo temporário os problemas, porém não evitam novos acontecimentos.
Este processo traz sofrimento tanto para o codependente quanto para o dependente químico e sendo assim, se faz extremamente necessário a ajuda e auxílio de profissionais, as famílias e as pessoas envolvidas com o usuário adicto.
Na maior parte dos casos, o dependente tem em sua família pelo menos um parente codependente.
Como a família pode ajudar no tratamento do dependente químico de forma saudável?
Ao início do texto falei que a família desempenha papel central na construção da pessoa e que é um suporte importante para a recuperação do dependente. Mas de que forma ela pode ajudar e exercer esse papel importante?
Existem algumas ações e cuidados que podem ser tomados com relação ao tratamento de recuperação do dependente, desde estar presente e a par do que está acontecendo e de quais etapas possuem o tratamento até coisas específicas e aparentemente pequenas, mas que fazem toda a diferença como veremos abaixo.
Entender a fundo a doença
Quanto mais você souber sobre a doença da dependência química, mais poderá saber o que acontece com o dependente e saberá o que pode fazer para ajudá-lo.
O conhecimento sobre a doença poderá ajudar você a escolher os tratamentos mais adequados para a situação e até mesmo a escolher as instituições e profissionais que lidam com seriedade no tratamento.
Não é que você se torne um especialista no assunto, mas todo o conhecimento que você adquirir poderá ser útil para o processo como um todo.
Dar apoio emocional
O suporte emocional é mais importante do que você pode imaginar. O dependente quando em recuperação está em dor não só por se afastar de algo que seu corpo dependia, mas também pelos conflitos internos e processo de reestruturação de suas crenças e pensamentos.
Por mais que por vezes o dependente tenha trazido muitos problemas ao contexto familiar como um todo, é preciso estar presente e acompanhar o tratamento para prestar o apoio emocional.
O apoio emocional se dá nas conversas que você tem com ele, onde é importante que ouça o que ele tem a dizer, incentivar a continuidade do tratamento ressaltando os pontos positivos de sua recuperação, perdoando-o pelas coisas ruins que cometeu, isso claro se você estiver pronto em seu coração para realizar tal ato e ver que é sincero o pedido.
Ter empatia
O processo de ajudar um dependente não é tarefa fácil, com minha experiência à frente do Grupo Recanto no tratamento da dependência química posso lhe confirmar que é uma tarefa árdua e complexa, porém recompensadora ao ver a pessoa seguindo para uma nova maneira de viver.
Ter empatia é se colocar no lugar da outra pessoa. Aqui, no caso, seria no lugar do dependente e ser compreensivo, acima de tudo tentar tratá-lo como alguém que precisa de cuidados, não como um “coitadinho”, mas ajudar sem julgar e fazer comentários degradantes.
Dar atenção nas horas devidas e ser respeitoso faz parte do processo, o dependente em recuperação quer sair dessa situação o mais rápido possível, para isso sua ajuda é necessária para que saiba que não está sozinho.
Fazer intervenções quando necessário
Em alguns casos é preciso fazer intervenções pontuais para que não fique à mercê do dependente. Se chegar ao caso é preciso confrontar o dependente com as verdades para que ele volte à realidade e entenda a situação que se encontra e porque está em recuperação.
Mas entenda que esse é um dos últimos recursos, só é recomendado em casos de muita resistência e negação, pois o provável destino dessas pessoas se não uma clínica de tratamento é uma vida associada a criminalidade e daí, os dois caminhos são a cadeia ou a morte.
Participar ativamente do tratamento
Ser presente e ativo no tratamento faz toda a diferença, incentiva a comunicação entre você e o dependente em tratamento, assim como com a equipe técnica que cuida dele para poder tomar suas decisões com todas as informações disponíveis.
Além de que o dependente verá seu esforço e poderá se motivar ainda mais em sua própria recuperação.
O que evitar falar para um dependente químico durante o tratamento de reabilitação?
Evite comentários que passem ideia de julgamento, esse tipo de comentários ainda que na prática possam ser verdade não favorecem a recuperação, o dependente em recuperação muitas vezes ainda não tem a estabilidade emocional para ouvi-los.
Não faça comentários negativos. Se você não acredita no projeto de tratamento, como o dependente vai acreditar que vai melhorar? Por isso é importante o processo de pesquisa prévia tanto sobre a doença como sobre os tratamentos.
Evite também fazer críticas, lembre-se que parte importante do processo é ter empatia, então se você estivesse se esforçando para melhorar, não gostaria de alguém que você admira, estivesse lhe criticando assim que lhe vê? As palavras têm poder então vale a pena incentivar ao invés de desmotivar.
Como lidar com o processo de recuperação do dependente químico?
A dependência química é uma doença, então é preciso se impor para que tudo seja feito em prol da melhora do dependente e não em prol do dependente.
Esse processo continua mesmo depois que as drogas são deixadas de lado é quando começa a readaptação, com uma nova rotina e a família praticamente ganha um novo membro.
Alguém que está superando um difícil passado e que às vezes pode ser imprevisível, a reconstrução de vidas pode ser mais difícil do que o próprio convívio com a dependência.
Trata-se de uma situação extrema, em que os familiares são induzidos à tomada de atitudes precipitadas, como fazer do dependente um bode expiatório, ou tentar controlar a vida do dependente mesmo que ele, reabilitado, não precise mais.
O que é preciso, sempre, é perdoar, se livrar do sentimento de culpa e acreditar, de maneira que o dependente possa reconstruir sua vida e que a família, por sua vez, possa também retomar a sua.
Com a ajuda necessária é possível que o dependente aceite passar pelo tratamento para se livrar das drogas, sendo um processo que exige muita paciência e compreensão por parte de todos.
Quem possui um parente usuário de drogas também necessita de apoio e tratamento para passar por esse momento de forma a reduzir seu sofrimento.
O auxílio de profissionais de saúde especializados pode ajudar nesse processo, os grupos de mútua ajuda para familiares dos dependentes são um caminho para ter forças e pensar em meios de lidar com esse momento.
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Conclusão
A dependência química se configura também como uma doença familiar, pois afeta amplamente diversas relações e os parentes desempenham função central em sua recuperação.
É importante salientar que muitas vezes a família manifesta o que chamamos de co-dependência, que é a dependência de querer cuidar do dependente e de protegê-lo, cuidado excessivo também é perigoso, então é clara a importância da família também buscar apoio psicológico durante o processo de tratamento.
Não é tarefa fácil, mas pode ser resolvido com muito esforço e estratégias conjuntas das várias partes envolvidas, o dependente tem seu processo individual de recuperação, seu encontro consigo mesmo, mas é sempre melhor tentar sair do fundo do poço se soubermos que alguém estende a mão lá em cima.
Muito obrigado por me acompanhar até aqui e até a próxima!
Fabrício Selbman é Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento, e também é:
- Formado em marketing e pós-graduado em gestão empresarial;
- Especialista em Dependência Química pela UNIFESP. Especialização na Europa sobre o modelo de tratamento Terapia Racional Emotiva (TRE);
- Psicanalista pela Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Professor de Especialização na Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento.