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Entendendo o transtorno psicótico compartilhado
Publicado em: 14 de junho de 2024

Atualizado em: 14 de outubro de 2024

Entendendo o transtorno psicótico compartilhado

O Transtorno Psicótico Compartilhado, também conhecido como Folie à Deux, é um fenômeno psiquiátrico raro, onde duas ou mais pessoas compartilham as mesmas crenças delirantes ou experiências alucinatórias, geralmente em um contexto de relações íntimas e isoladas do mundo exterior. 

Este transtorno desafia a compreensão tradicional da psicose, que é tipicamente vista como uma experiência profundamente individual e subjetiva, lançando luz sobre o poder das relações humanas e do ambiente social na formação da percepção da realidade.

A condição foi primeiramente descrita no século 19, mas continua a ser objeto de fascínio e estudo devido à sua natureza complexa e às questões que levanta sobre a influência social na psicopatologia. 

O Transtorno Psicótico Compartilhado pode ocorrer em diversos contextos, incluindo famílias, casais ou grupos fechados, onde o “indutor” ou “caso primário” tem uma psicose genuína e, através de mecanismos ainda não totalmente compreendidos, transmite suas crenças delirantes ao(s) “receptor(es)” ou “caso(s) secundário(s)”, que aceitam essas crenças como verdadeiras.

A dinâmica do transtorno sugere uma complexa interação de fatores psicológicos, sociais e ambientais, incluindo isolamento social, dependência emocional, identificação com o indivíduo induzidor e, possivelmente, vulnerabilidades psicológicas preexistentes no receptor. 

Causas e Mecanismos

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As causas do Transtorno Psicótico Compartilhado ainda não é compreendida, mas vários fatores foram propostos para contribuir para o seu desenvolvimento:

  • Isolamento Social: O isolamento prolongado de um ambiente social mais amplo é frequentemente observado em casos de Transtorno Psicótico Compartilhado. Esse isolamento pode criar um terreno fértil para a formação e reforço de crenças delirantes, longe da influência moderadora de perspectivas externas.
  • Dependência Emocional: Uma forte dependência emocional entre os indivíduos envolvidos pode facilitar a adoção de crenças delirantes. Em muitos casos, o “receptor” do delírio tem uma relação de dependência com o “indutor”, que pode ser baseada em necessidades emocionais, psicológicas ou físicas.
  • Identificação e Vínculo: A identificação intensa com o outro indivíduo pode levar o receptor a adotar as crenças delirantes do indutor como uma forma de manter a conexão e a harmonia no relacionamento.
  • Vulnerabilidades Preexistentes: Vulnerabilidades psicológicas ou psiquiátricas preexistentes nos receptores podem torná-los mais suscetíveis à influência do indutor. Tais vulnerabilidades podem incluir traços de personalidade, experiências de vida anteriores ou transtornos mentais não diagnosticados.

Mecanismos Psicológicos e Sociais

A transmissão de crenças delirantes no Transtorno Psicótico Compartilhado envolve complexos mecanismos psicológicos e sociais: 

  • Comunicação e Influência: A comunicação constante e intensa sobre as crenças delirantes pode reforçar e solidificar essas crenças entre os indivíduos. O indutor, muitas vezes mais dominante na relação, pode influenciar o receptor através de persuasão, insistência ou até mesmo manipulação.
  • Isolamento: O isolamento do mundo exterior pode criar uma câmara de eco, onde as crenças delirantes são repetidas e amplificadas sem questionamento ou contraponto, facilitando a sua aceitação.
  • Dinâmica de Poder: A dinâmica de poder dentro da relação pode desempenhar um papel crucial. O receptor pode perceber o indutor como uma autoridade ou fonte de conhecimento, tornando-se mais propenso a aceitar as crenças delirantes sem questionar.
  • Mecanismos de Defesa: Mecanismos de defesa psicológica, como a identificação e a formação reativa, podem levar o receptor a adotar crenças delirantes como uma forma de lidar com o estresse ou a ansiedade dentro do relacionamento.

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Características Clínicas

Sintomas principais

  1. Delírios Compartilhados: O sintoma central do Transtorno Psicótico Compartilhado é a presença de delírios que são compartilhados entre os indivíduos envolvidos. O “indutor” ou “caso primário” é geralmente a pessoa que inicialmente desenvolve os delírios, enquanto o “receptor” ou “caso secundário” adota essas crenças delirantes como suas.
  2. Isolamento Social: Os indivíduos afetados frequentemente vivem em um ambiente isolado, com pouca interação com o mundo exterior. Esse isolamento pode reforçar as crenças delirantes, pois há menos oportunidades para que essas crenças sejam desafiadas por perspectivas externas.
  3. Relação Próxima e Dependente: Uma relação emocionalmente intensa e dependente entre o indutor e o receptor é comum. Essa proximidade facilita a transmissão e aceitação dos delírios.

Sintomas secundários

  1. Comportamentos Estranhos: Os indivíduos podem exibir comportamentos estranhos ou incomuns que são consistentes com seus delírios. Por exemplo, podem tomar medidas extremas para evitar uma ameaça percebida que é parte de suas crenças delirantes.
  2. Alterações de Humor: Mudanças de humor, como ansiedade, depressão ou irritabilidade, podem acompanhar os delírios. Esses estados emocionais podem ser exacerbados pelo estresse de manter as crenças delirantes.
  3. Dificuldades Cognitivas: Em alguns casos, os indivíduos podem apresentar dificuldades cognitivas, como problemas de concentração, memória e raciocínio lógico, que podem ser exacerbados pela fixação nos delírios.

Tipos de delírios mais comuns 

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  • Delírios Persecutórios: Estes são os mais frequentes e envolvem a crença de que os indivíduos estão sendo perseguidos, espionados ou ameaçados por forças externas. Por exemplo, podem acreditar que estão sendo monitorados por agências governamentais ou que vizinhos estão conspirando contra eles.
  • Delírios de Grandeza: Os indivíduos podem acreditar que possuem poderes especiais, status elevado ou uma missão grandiosa. Por exemplo, podem acreditar que são figuras religiosas importantes ou que têm uma missão divina a cumprir.
  • Delírios Somáticos: Envolvem crenças falsas sobre o corpo ou a saúde. Por exemplo, podem acreditar que têm uma doença grave ou que partes do corpo estão deformadas ou infestadas por parasitas.
  • Delírios de Referência: Os indivíduos podem acreditar que eventos, objetos ou pessoas têm um significado especial e pessoal para eles. Por exemplo, podem interpretar notícias de televisão ou conversas alheias como mensagens direcionadas especificamente a eles.

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Diagnóstico, desafios e abordagens terapêuticas

O diagnóstico do transtorno requer uma avaliação cuidadosa e detalhada, considerando os seguintes critérios: 

  1. Presença de Delírios Compartilhados: O critério central é a existência de delírios que são compartilhados entre os indivíduos envolvidos. O “indutor” ou “caso primário” desenvolve inicialmente os delírios, que são subsequentemente adotados pelo “receptor” ou “caso secundário”.
  2. Ausência de Psicose Independente no Receptor: O receptor não apresenta sinais de psicose independente do contato com o indutor. Os delírios desaparecem ou diminuem significativamente quando o receptor é separado do indutor.

Desafios no diagnóstico

  • Diferenciação de Outros Transtornos Psicóticos: Diferenciar o Transtorno Psicótico Compartilhado de outros transtornos psicóticos, como esquizofrenia ou transtorno delirante, pode ser difícil. É crucial determinar se os delírios do receptor são independentes ou resultam da influência do indutor.
  • Avaliação da Dinâmica Relacional: Compreender a dinâmica relacional entre o indutor e o receptor é essencial, mas pode ser complicado devido à resistência dos indivíduos em revelar detalhes íntimos de sua relação.
  • Isolamento e Acesso Limitado: O isolamento social dos indivíduos pode dificultar o acesso dos profissionais de saúde mental, limitando a capacidade de observação e avaliação direta.

Abordagens Terapêuticas

  • Separação dos Indivíduos: A separação física dos indivíduos é frequentemente o primeiro passo no tratamento, permitindo que o receptor seja removido da influência direta do indutor. Isso pode levar à diminuição ou desaparecimento dos delírios no receptor.
  • Tratamento Psiquiátrico do Indutor: O indutor, que geralmente apresenta uma psicose primária, deve receber tratamento psiquiátrico adequado, que pode incluir medicação antipsicótica e terapia individual.
  • Intervenção Psicossocial: A intervenção psicossocial é crucial para ambos os indivíduos. Isso pode incluir psicoterapia para ajudar a desafiar e modificar crenças delirantes, bem como terapia de grupo ou familiar para abordar a dinâmica relacional.
  • Suporte Familiar: Envolver a família no processo terapêutico é fundamental. O suporte familiar pode ajudar a criar um ambiente mais estável e fornecer uma rede de apoio emocional para os indivíduos afetados.
  • Reintegração Social: Promover a reintegração social dos indivíduos é importante para reduzir o isolamento e fornecer oportunidades para interações sociais saudáveis que podem desafiar e corrigir crenças delirantes.

CONCLUSÃO

O Transtorno Psicótico Compartilhado é uma condição psiquiátrica rara que desafia a compreensão tradicional da psicose, destacando o papel crucial das relações humanas e do ambiente social na formação de crenças delirantes. 

Este fenômeno ocorre em contextos de relações íntimas e isoladas, como famílias ou casais, onde o “indutor” transmite suas crenças delirantes ao “receptor”.

As causas do transtorno incluem isolamento social, dependência emocional, identificação intensa e vulnerabilidades psicológicas preexistentes. 

A transmissão de crenças delirantes envolve mecanismos psicológicos e sociais complexos, como comunicação constante, isolamento do mundo exterior, dinâmicas de poder e mecanismos de defesa psicológica.

Clinicamente, o transtorno é caracterizado por delírios compartilhados, isolamento social e uma relação emocionalmente intensa e dependente entre o indutor e o receptor. 

Os sintomas secundários podem incluir comportamentos estranhos, alterações de humor e dificuldades cognitivas. Os tipos de delírios mais comuns incluem delírios persecutórios, de grandeza, somáticos e de referência.

O diagnóstico requer uma avaliação cuidadosa, considerando a presença de delírios compartilhados e a ausência de psicose independente no receptor. 

Diferenciar este transtorno de outros transtornos psicóticos pode ser desafiador, assim como compreender a dinâmica relacional entre o indutor e o receptor e superar o isolamento social dos indivíduos.

As abordagens terapêuticas são abrangentes e adaptadas às necessidades específicas de cada caso. A separação física dos indivíduos é frequentemente o primeiro passo, permitindo que o receptor seja removido da influência direta do indutor. 

O tratamento psiquiátrico do indutor, que geralmente apresenta uma psicose primária, é essencial e pode incluir medicação antipsicótica e terapia individual. A intervenção psicossocial é crucial para ambos os indivíduos, incluindo psicoterapia e terapia de grupo ou familiar. 

O suporte familiar é fundamental para criar um ambiente estável e fornecer uma rede de apoio emocional. Promover a reintegração social dos indivíduos é importante para reduzir o isolamento e fornecer oportunidades para interações sociais saudáveis.

Em suma, o Transtorno Psicótico Compartilhado exige uma abordagem multidisciplinar e integrada para o diagnóstico e tratamento eficaz. 

Compreender a interação entre fatores psicológicos, sociais e ambientais é crucial para desenvolver estratégias terapêuticas que promovam a recuperação e o bem-estar dos indivíduos afetados.

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