Você já se viu olhando no espelho por um tempo excessivo, focando em detalhes que parecem falhas mínimas, mas que para você são enormes? Ou talvez você conheça alguém que passa por esse tipo de experiência. Esses pensamentos persistentes sobre a aparência, quando se tornam avassaladores e consomem uma parcela significativa do tempo e da energia mental, podem indicar mais do que apenas uma insatisfação superficial. É aqui que entra o Transtorno Dismórfico Corporal (TDC).
O que é Transtorno Dismórfico Corporal?
O Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) é uma condição de saúde mental caracterizada por uma preocupação excessiva e distorcida com a aparência física, levando a um sofrimento emocional significativo.
Quando os pensamentos sobre falhas percebidas na aparência se tornam dominantes, desencadeando comportamentos compulsivos como a verificação excessiva no espelho ou busca incessante por aprovação dos outros, é possível que estejamos diante do TDC.
É importante notar que os indivíduos afetados pelo transtorno podem não ter uma visão realista de suas preocupações. Eles podem exibir insight prejudicado ou ausente, às vezes chegando a proporções delirantes.
Além disso, o transtorno dismórfico corporal está relacionado ao Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC).
O TOC é caracterizado por obsessões – impulsos, imagens e pensamentos recorrentes e persistentes – e compulsões, comportamentos e atos mentais repetitivos que respondem a uma obsessão ou regras do próprio indivíduo. A compreensão dessa relação entre os dois transtornos é fundamental para um diagnóstico e tratamento adequados.
Sinais e sintomas
Os sinais e sintomas do transtorno dismórfico corporal podem variar consideravelmente, surgindo subitamente ou de forma gradual ao longo do tempo. Entre esses sintomas, destacam-se:
- Pensamentos recorrentes (atos mentais) sobre supostas falhas na aparência, consumindo pelo menos uma hora do dia;
- Passar longos períodos diante do espelho, fixando-se nessas falhas, o que também envolve a execução de comportamentos repetitivos;
- Evitar situações sociais ou públicas por medo de que as falhas sejam percebidas;
- Buscar constantemente validação dos outros sobre a própria aparência;
- Recorrer a procedimentos cosméticos ou cirurgias plásticas frequentes na tentativa de “corrigir” as falhas.
É importante notar que essas falhas frequentemente não são observáveis e, quando são, parecem apenas leves para outras pessoas.
Apesar dos indivíduos com TDC terem preocupações excessivas com os “defeitos” que percebem em si mesmos, suas queixas não estão relacionadas a sintomas de alteração de funcionamento sensorial ou motor da parte do corpo afetada.
Praticamente todos os indivíduos que enfrentam o TDC experimentam algum grau de prejuízo psicossocial devido às suas preocupações persistentes com a aparência.
Os sintomas mais graves do TDC estão associados a um funcionamento e qualidade de vida ainda mais prejudicados.
Muitos indivíduos enfrentam dificuldades em seus empregos, desempenho acadêmico ou em papéis familiares, o que pode incluir baixo desempenho, faltas frequentes à escola ou ao trabalho e, em casos extremos, até mesmo a incapacidade de trabalhar.
Surpreendentemente, cerca de 20% dos jovens com o transtorno relatam evasão escolar, principalmente devido aos sintomas relacionados ao TDC.
O prejuízo no funcionamento social também é comum, incluindo dificuldades em participar de atividades sociais, estabelecer relacionamentos e construir e manter intimidade com outras pessoas.
Como resultado dessa severidade, uma proporção significativa de adultos e adolescentes acaba sendo internada em hospitais psiquiátricos para tratamento intensivo. Essas implicações destacam a importância de identificar e tratar o transtorno dismórfico corporal de forma eficaz e compassiva.
Em resumo, o transtorno dismórfico corporal é caracterizado por sintomas cognitivos, especialmente porque as obsessões e compulsões deste transtorno estão ligadas às preocupações sobre a aparência física.
Diferenciando a TDC de insatisfações normais
É crucial distinguir entre a insatisfação normal com a aparência e o TDC, pois, enquanto a maioria das pessoas pode ter preocupações com sua aparência, o transtorno vai além, interferindo significativamente na vida diária e no bem-estar emocional.
Quando se gasta uma quantidade substancial de tempo pensando nas supostas falhas da própria aparência e isso afeta as atividades diárias ou causa sofrimento emocional, é crucial buscar ajuda profissional.
Essa busca por ajuda torna-se ainda mais vital quando as preocupações não são explicadas apenas por questões de peso corporal, mas também quando causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social do indivíduo.
Muitos indivíduos com TDC têm ideias ou delírios de referência, acreditando que outras pessoas prestam especial atenção neles ou caçoam deles devido à sua aparência.
Associado a altos níveis de ansiedade, ansiedade social, esquiva social e humor deprimido, o TDC também está relacionado a comportamentos como tratamento dermatológico e cirurgias plásticas, frequentemente sem resultados satisfatórios.
Para mais, o transtorno está associado a disfunção executiva e anormalidades no processamento visual, o que pode agravar a interpretação negativa de expressões faciais ou cenários ambíguos.
Desenvolvimento e Curso
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), a idade de início desse transtorno é variável, mas em média ocorre por volta dos 16 a 17 anos, sendo que a maioria dos casos tem início antes dos 18 anos.
É interessante notar que os sintomas subclínicos começam a se manifestar, em média, aos 12 ou 13 anos, indicando que as preocupações com a aparência podem surgir precocemente.
Essas preocupações geralmente se desenvolvem gradualmente até se tornarem um transtorno completo, embora alguns casos possam apresentar um início abrupto.
É relevante mencionar que o Transtorno Dismórfico Corporal tende a ser crônico, mas há evidências de que a melhora é possível com o tratamento adequado.
É importante destacar que as características clínicas do transtorno parecem ser semelhantes em crianças/adolescentes e adultos, embora haja menos informações disponíveis sobre o transtorno em idosos.
Além disso, é crucial enunciar que os indivíduos com início do transtorno antes dos 18 anos têm maior probabilidade de tentar suicídio, apresentar mais comorbidades e experienciar um início gradual do transtorno em comparação com aqueles que desenvolvem o transtorno na idade adulta.
Foco principal da TDC
Embora o TDC possa se concentrar em qualquer parte do corpo, de acordo com a Fundação Internacional de TOC, é comum que a preocupação se concentre na cabeça ou no rosto, como cabelo, nariz, pele, entre outros. No entanto, o TDC pode envolver qualquer parte do corpo.
Ainda conforme o DSM-V, pode-se dizer que o principal foco de um indivíduo com esse transtorno é a alteração ou remoção de uma parte específica do corpo devido ao fato de ela ser enxergada como anormalmente formada.
Fatores de Risco e Prognóstico
O transtorno dismórfico corporal foi relacionado a altas taxas de negligência e abuso infantil, além de ser observado a prevalência elevada em parentes de primeiro grau a indivíduos com TOC.
Questões associadas a gênero
Embora haja mais semelhanças do que diferenças entre os sexos no que diz respeito às características clínicas do TDC, algumas distinções podem ser observadas.
Por exemplo, tanto homens quanto mulheres podem apresentar áreas específicas do corpo que os incomodam e se engajar em comportamentos repetitivos.
No entanto, os homens têm maior probabilidade de manifestar preocupações relacionadas aos genitais, enquanto as mulheres tendem a apresentar mais frequentemente transtornos alimentares comórbidos. Além disso, a dismorfia muscular é uma preocupação quase exclusiva do sexo masculino.
Risco de suicídio
O risco de ideação suicida e tentativas de suicídio é significativamente elevado tanto em adultos quanto em crianças/adolescentes com transtorno dismórfico corporal.
Especialmente entre adolescentes, esse risco parece ser ainda mais alto. Uma parcela considerável de indivíduos associa a ideação suicida ou as tentativas de suicídio diretamente às suas preocupações com a aparência.
Além disso, as pessoas com TDC apresentam diversos fatores de risco para suicídio consumado, incluindo altas taxas de ideação suicida e tentativas prévias, características demográficas associadas ao suicídio e uma elevada prevalência de transtorno depressivo maior comórbido.
Esses dados destacam a importância de abordar de forma proativa e eficaz o risco de suicídio em indivíduos com transtorno dismórfico corporal, oferecendo intervenções específicas e suporte adequado.
Saiba mais com a equipe de especialistas do Grupo Recanto.
Conclusão
O Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) é uma condição de saúde mental complexa e debilitante, caracterizada por uma preocupação excessiva e distorcida com a aparência física.
Ao longo deste texto, exploramos os diferentes aspectos desse transtorno, desde seus sintomas e impacto psicossocial até seus fatores de risco e implicações de gênero.
Ficou claro que os sintomas do TDC podem se manifestar de diversas maneiras, mas todos compartilham a característica central de uma preocupação excessiva com supostas falhas na aparência – tais quais consomem tempo e energia mental, afetando significativamente o funcionamento diário e a qualidade de vida dos indivíduos afetados.
Além disso, discutimos a importância de distinguir entre a insatisfação normal com a aparência e o Transtorno Dismórfico Corporal, bem como os fatores de risco associados ao desenvolvimento do transtorno, especialmente o risco aumentado de ideação suicida e tentativas de suicídio.
Por isso, é crucial reconhecer que o TDC não é apenas uma questão estética; é uma condição mental séria que requer intervenção profissional e, nesse sentido, é fundamental buscar ajuda de profissionais especializados, como a equipe de especialistas do Grupo Recanto, que podem oferecer suporte e orientação para indivíduos que estejam enfrentando esses desafios.
Fabrício Selbman é Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento, e também é:
- Formado em marketing e pós-graduado em gestão empresarial;
- Especialista em Dependência Química pela UNIFESP. Especialização na Europa sobre o modelo de tratamento Terapia Racional Emotiva (TRE);
- Psicanalista pela Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Professor de Especialização na Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento.