A Síndrome de Truman começou a ser discutida após o lançamento da obra cinematográfica “O Show de Truman”, do gênero comédia e ficção científica, lançado em 1998.
Essa tal síndrome é, na realidade, um fenômeno psicológico em que uma pessoa passa a acreditar que está vivendo em um ambiente artificial e meticulosamente controlado.
Semelhante ao personagem principal do filme, as pessoas com essa condição acreditam que estão sendo assistidas, nos fazendo perceber que o filme não é tão ficção assim.
ORIGENS DA SÍNDROME
A Síndrome de Truman, denominada assim em referência ao protagonista do filme, Truman Burbank, é um tema intrigante que ecoa os debates sobre a natureza da realidade e a fragilidade da mente humana.
O filme, estrelado por Jim Carrey, apresenta a história de Truman, cuja vida é transmitida 24 horas por dia para o mundo inteiro, em uma elaborada simulação televisiva.
O enredo fictício trouxe à luz um fenômeno psicológico perturbador que desafia nossa compreensão da realidade: a crença delirante de que se está vivendo em um cenário controlado e monitorado, exatamente como o personagem principal do filme.
A partir disso, a Síndrome de Truman passou a ser discutida por especialistas em saúde mental, lançando luz sobre uma condição até então pouco compreendida, sendo descrita pela primeira vez em 2008 por Joel Gold, um psiquiatra, e seu irmão Ian Gold, um neurofilósofo.
Esses estudiosos identificaram casos de pacientes que acreditavam estar sendo observados, monitorados ou controlados de alguma forma, semelhante ao protagonista do filme – tal qual, de fato, vivia essa situação.
CARACTERÍSTICAS E SINTOMAS
A Síndrome de Truman geralmente se manifesta em pessoas que têm dificuldade em distinguir a realidade da fantasia. Os indivíduos afetados podem começar a questionar a veracidade de suas experiências diárias, duvidando da sinceridade das pessoas ao seu redor e suspeitando de conspirações elaboradas, como se de fato as pessoas estivessem em uma constante encenação.
Segundo Ivan Ho, psiquiatra da Rede de Hospitais São Camilo, de São Paulo, a Síndrome de Truman pode se manifestar tanto fisicamente quanto emocionalmente. Ho afirma que os sintomas podem variar em intensidade, indo desde irritabilidade e tensão até mal-estar físico, como dor no peito, falta de ar e insônia.
Outros sintomas específicos da Síndrome de Truman estão voltados para a questão direta de construir narrativas sobre sua vivência dentro desta experiência em um reality ou programas semelhantes.
Paranoia
A paranoia é uma característica proeminente da Síndrome de Truman, onde os indivíduos afetados desenvolvem uma desconfiança extrema em relação ao mundo ao seu redor.
Essa paranoia pode levar a comportamentos de isolamento social e a uma sensação de alienação em relação aos outros.
Delírios
Os delírios são comuns na Síndrome de Truman e podem assumir várias formas. Os indivíduos podem desenvolver crenças fixas e irracionais, como a convicção de que são protagonistas de uma narrativa controlada por outras entidades.
Eles podem até mesmo elaborar teorias complexas sobre quem são seus observadores e quais são seus propósitos.
Esses delírios podem ser tão convincentes para a pessoa afetada que é difícil dissuadi-los de suas crenças, mesmo com evidências em contrário.
Alucinações Auditivas e Visuais
As alucinações auditivas e visuais são outro aspecto significativo da Síndrome de Truman. Os indivíduos podem experimentar sensações de ver e ouvir coisas que não estão realmente presentes no ambiente.
Isso pode incluir vozes que falam com eles, visões de pessoas observando-os secretamente ou até mesmo a sensação de estar em um ambiente completamente diferente.
Essas alucinações podem contribuir para a sensação de que a realidade está sendo manipulada ao redor deles, reforçando ainda mais seus delírios e paranoias.
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FATORES DE RISCOS E DE CAUSAS
De acordo com o Portal Psicologia Online, especialistas acreditam que a Síndrome de Truman pode ser desencadeada por uma combinação de fatores genéticos, ambientais e psicossociais. Traumas, estresse intenso, isolamento social e predisposição genética podem contribuir para o desenvolvimento da condição.
Os fatores ambientais desempenham um papel crucial no desenvolvimento da síndrome, especialmente os momentos traumáticos da infância marcados por violência ou abusos familiares.
Essas experiências podem levar a transtornos de personalidade nos quais o indivíduo acredita ser o centro de tudo, semelhante ao protagonismo em um reality show. Além disso, a necessidade constante de atenção e aprovação dos outros contribui significativamente para essa condição.
Por outro lado, os fatores genéticos também são relevantes, uma vez que os transtornos de personalidade com delírios e alucinações têm uma base neurológica. Certas conexões neurais no córtex cerebral processam informações do ambiente, dando origem aos sintomas observados.
Essa combinação de influências ambientais e predisposição genética contribui para a complexidade da síndrome e para a sua manifestação clínica.
Além disso, o consumo excessivo de mídia, especialmente de programas de televisão e filmes que retratam realidades alternativas, pode influenciar a percepção da realidade de uma pessoa e exacerbá-la.
TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS RELACIONADOS
A Síndrome de Truman, em seu caso, não é reconhecida como uma síndrome ou um transtorno mental propriamente dito e, por este motivo, não está identificado no CID.
No entanto, uma avaliação abrangente por um profissional de saúde mental pode ajudar a apontar para a relação de outros transtornos psiquiátricos.
Transtorno de Ansiedade Generalizada
Indivíduos com Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) experimentam preocupações persistentes e excessivas sobre uma variedade de eventos ou atividades cotidianas.
Para alguém com a Síndrome de Truman, essas preocupações podem se intensificar, pois eles podem se sentir constantemente vigiados ou ameaçados, o que aumenta sua ansiedade.
Isso pode levar a sintomas físicos, como tensão muscular, irritabilidade, fadiga e problemas de sono, o que agrava ainda mais sua sensação de estar em um ambiente controlado.
Esquizofrenia
A esquizofrenia é um transtorno mental grave que pode compartilhar algumas semelhanças com a Síndrome de Truman.
Os sintomas da esquizofrenia incluem alucinações, delírios, pensamento desorganizado e dificuldade de concentração.
Embora a Síndrome de Truman não seja necessariamente uma forma de esquizofrenia, os delírios e as alucinações presentes na Síndrome de Truman podem se sobrepor aos sintomas da esquizofrenia em alguns aspectos.
Ademais, é importante ressaltar que a esquizofrenia é uma condição clínica distinta que requer avaliação e tratamento específicos.
Transtorno Bipolar
O Transtorno Bipolar é outro transtorno mental que pode estar relacionado à Síndrome de Truman, isso porque as pessoas com transtorno bipolar experimentam mudanças extremas de humor, que podem variar entre episódios de mania, onde se sentem eufóricas e cheias de energia, e episódios de depressão, onde se sentem profundamente tristes e desesperadas.
Essas flutuações de humor podem se sobrepor à sensação de estar em um ambiente controlado, onde os momentos de euforia podem ser interpretados como parte do show, enquanto os momentos de depressão podem ser vistos como consequências de uma narrativa sombria sendo imposta sobre eles.
Esses transtornos mentais destacam a complexidade e a gravidade da Síndrome de Truman, mostrando como ela pode se sobrepor a outras condições psiquiátricas e exigir uma abordagem integrada e multidisciplinar para diagnóstico e tratamento adequados.
TRATAMENTO
O tratamento da Síndrome de Truman, por sua vez, geralmente envolve uma combinação de intervenções, isso porque, na realidade, busca-se envolver diversas abordagens eficazes para lidar com seus sintomas.
A terapia, medicamentos antipsicóticos e apoio psicossocial, são algumas das intervenções. O objetivo é ajudar o paciente a reconhecer e questionar suas crenças irracionais, desenvolver estratégias de enfrentamento saudáveis e reconstruir sua conexão com a realidade.
A terapia psicológica, em particular, desempenha um papel fundamental, ajudando os pacientes a reavaliar e enfrentar as situações que desencadeiam estresse, ansiedade e medo.
Tais terapias podem ser de curta duração e longa duração, a depender do caso. A de curta duração se concentra na resolução de problemas em um número limitado de sessões, enquanto as terapias de longa duração buscam a origem dos sintomas para encontrar formas mais saudáveis de lidar com o desconforto.
Além disso, em casos em que há delírios e alucinações, a medicação psiquiátrica pode ser necessária para modificar as conexões neuronais e reduzir os sintomas, embora sempre sob prescrição médica e supervisão de um psicólogo.
Essas abordagens combinadas visam proporcionar alívio e melhorar a qualidade de vida dos pacientes afetados pelos sintomas da Síndrome de Truman.
O Grupo Recanto possui intervenções voltadas para a dependência química e saúde mental, com uma equipe multidisciplinar especializada e com uma estrutura adequada para atender pacientes com diferentes quadros psiquiátricos. Nós desenvolvemos uma abordagem humanizada e individualizada, que busca compreender cada paciente em suas especificidades, sem julgamentos ou preconceitos.
CONCLUSÃO
A Síndrome de Truman é um desafio à compreensão da mente humana e da realidade, cuja origem remonta ao filme “O Show de Truman”. Caracterizada por uma crença delirante em um ambiente controlado, essa condição demanda uma abordagem multidisciplinar para diagnóstico e tratamento adequados.
Os sintomas refletem uma complexa interação de fatores genéticos, ambientais e psicossociais. Embora não seja reconhecida como um transtorno mental específico, ela se relaciona a outros transtornos, como ansiedade, esquizofrenia e bipolaridade, destacando sua gravidade.
O tratamento da Síndrome de Truman, envolvendo terapia psicológica e medicamentos, em alguns casos, visa aliviar os sintomas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes, destacando a importância de uma abordagem humanizada e individualizada.
Fabrício Selbman é Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento, e também é:
- Formado em marketing e pós-graduado em gestão empresarial;
- Especialista em Dependência Química pela UNIFESP. Especialização na Europa sobre o modelo de tratamento Terapia Racional Emotiva (TRE);
- Psicanalista pela Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Professor de Especialização na Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento.