Os dependentes químicos em recuperação precisam analisar não apenas a razão por que escolhem uma droga de preferência, mas também precisam examinar como é que se inter-relacionam com o mundo segundo formas compulsivas.
Terão de examinar a lógica da doença da dependência química, as suas crenças, valores e rituais doentios. Precisam analisar continuamente estas questões até conseguirem conhecer o seu lado doentio e descobrir formas de contrariar os seus impulsos compulsivos.
No Livro Azul (Alcoólicos Anônimos), há uma frase que diz:- “Sentimos que a eliminação da bebida é apenas um começo.” A recuperação não diz só respeito a parar de usar drogas, diz também respeito à eliminação da personalidade de dependente químico que se desenvolve durante a dependência química.
Se as pessoas não reconhecem e não mudam as suas personalidades doentias, voltarão provavelmente a outras compulsões de uma forma qualquer.
Podem ter aprendido o suficiente para não voltarem a sua droga de escolha, mas podem encontrar outra compulsão que lhes permita realizar a mudança de humor de que necessitam para escaparem às emoções desagradáveis e indesejáveis.
Se os dependentes químicos não tratarem a sua personalidade doentia e trocarem de objeto da dependência química, há grandes probabilidades de voltarem ou a sua droga ou compulsão preferida.
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Tratando a personalidade
Na área do tratamento do alcoolismo existe o termo “bebedeira seca” para descrever o estado das pessoas que pararam de beber, mas não enfrentaram a sua personalidade compulsiva e doentia.
Andam infelizes e tratam toda a gente da mesma forma que tratavam quando bebiam. Portanto, a recuperação não se limita apenas a cortar a relação que a pessoa tem com sua droga ou acontecimento compulsivo de escolha, embora isso tenha a maior importância.
A recuperação consiste, em primeiro lugar, em virmos conhecer a nossa personalidade compulsiva e em darmos os passos necessários para nos vermos livres das atitudes, crenças, valores e comportamentos doentios.
As pessoas que estão “numa seca” têm maiores probabilidades de voltarem a beber. Têm também maiores hipóteses de trocarem de objeto da dependência química. Talvez deixem de beber, mas engordem 20 ou 30 quilos comendo “comida de plástico” em ocasiões em que antes teriam-se embebedado.
Conseguem manter-se assim porque é mais aceitável na nossa cultura ter uma dependência à comida do que à bebida. A vida e as relações deles podem estar num caos, mas muitas pessoas dirão, “pelo menos não estão bebendo.” Embora isto seja verdade, eles continuam a levar um estilo de vida compulsivo e correm o risco de recomeçar a beber.
As pessoas trocam de dependência química para manterem o processo adictivo funcionando. Os dependentes químicos podem ter problemas com uma droga; para o resolverem, voltam-se para uma nova droga de escolha ou acontecimento, é bastante semelhante a sair de uma má experiência com um casamento e saltar logo para outro.
Um paciente tinha sido casado quatro vezes. De todas às vezes, a mulher era adicta: duas alcoólicas, uma adicta à comida e uma adicta ao sexo que continuou a ter relações extraconjugais todo o tempo que durou o casamento. Este padrão continuou até ele confessar o que ganhava em escolher dependentes para cônjuges: um sentimento de superioridade.
Cresceu junto de uma mãe que era alcoólica e a única lógica que aprendeu foi à lógica da dependência química. Vivendo ao lado de uma pessoa que estava sempre com problemas, não tinha de resolver os seus. Admitiu que tinha medo de ter uma relação de igual para igual. Não foi senão quando admitiu e aceitou esta e outras facetas de si mesmo que foi capaz de estabelecer relações de vários tipos.
Lembro-me de um homem que referiu ter tido um problema com whisky. Desistiu do whisky, mas começou então a ter problemas com o gin. Desistiu do gin. A seguir, arranjou um problema com o vinho e teve de abandoná-lo. Quando eu o vi, estava a pôr em questão a forma como usava a cerveja e queria falar com alguém antes de se tornar um alcoólico.
Os dependentes químicos trocam os objetos da sua dependência química para continuarem com o processo adictivo e com a ilusão de que não têm um problema. Os dependentes químicos procuram a alteração do seu estado de humor e, muitas vezes, a forma como a alcançam tem pouca importância.
Como é que os dependentes químicos em recuperação sabem se estão começando a agir de forma doentia com outras drogas ou acontecimentos? Se começarem a usar outras drogas ou acontecimentos para substituírem relações ou os princípios de um programa de recuperação, estarão começando a agir de forma doentia e dependente;
Se fizerem segredo dos seus comportamentos, estarão provavelmente começando a usar drogas ou acontecimentos de forma compulsiva. Quando os dependentes químicos em recuperação dissimulam os seus comportamentos, começam a separar-se do processo natural de ajuda. Começam a isolar-se.
Se os dependentes químicos em recuperação começarem a sentir-se mal a respeito de certos comportamentos e não falarem sobre isso com outras pessoas que fazem parte do seu sistema de apoio, estão a começar a agir outra vez de forma doentia.
Estão privando-se do processo de recuperação que se concretiza quando conversam sobre os seus problemas com os outros. Falando comas outras pessoas sobre os seus comportamentos, os dependentes químicos em recuperação podem aferir se as suas ações são normais e úteis ou doentias, compulsivas e perigosas.
Muitas pessoas em recuperação acabam aceitando que o seu Dependente químico os acompanhará sempre e que poderão controlar eficazmente a dependência química com a ajuda de um programa de recuperação. Aceitam que a sua doença lhes provocou certas alterações permanentes, como todas as doenças graves provocam. Os dependentes químicos podem recuperar, mas nunca se curam.
Conclusão
A maior parte da recuperação incide sobre a honestidade em relação a nós mesmos, o que conduz à aceitação da nossa pessoa. Na recuperação, as pessoas aprendem que são vítimas das suas próprias mentiras. Para recuperarem, as pessoas têm de desistir do mito da perfeição.
Muitas pessoas tornam-se desonestas por causa desse mito. Se você acreditar que tem de ser perfeito, torna-se desonesto quando negar as suas imperfeições. Se lhe parecer que existem imperfeições a mais, pode perder a esperança. Na recuperação, as pessoas aprendem a trabalhar em direção ao progresso, não à perfeição. Aprendem que é normal ser imperfeito e que está certo serem honestas consigo e com os outros sobre este assunto.
Uma pessoa em recuperação é alguém que quer poder pessoal. Os dependentes químicos sabem muito a respeito do que significa serem impotentes, tendo sido apanhados por uma doença que os manteve sob controle. Os dependentes químicos em recuperação aprendem muito sobre a forma de reclamar, o seu poder e a forma como podem provocar mudanças nas suas vidas estando em ligação com os outros e com espírito de amor.
Fabrício Selbman é Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento, e também é:
- Formado em marketing e pós-graduado em gestão empresarial;
- Especialista em Dependência Química pela UNIFESP. Especialização na Europa sobre o modelo de tratamento Terapia Racional Emotiva (TRE);
- Psicanalista pela Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Professor de Especialização na Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento.