Anualmente, novas drogas são investigadas para o tratamento de patologias psiquiátricas, e grandes avanços têm sido feitos em transtornos como depressão, transtorno bipolar e esquizofrenia.
No entanto, o uso recreativo de medicamentos destinados a fins terapêuticos pode acarretar sérios prejuízos à saúde.
Este artigo discute os riscos associados ao uso inadequado da ketamina, abordando seus efeitos, potencial de dependência, danos causados e opções de tratamento para a adicção.
O que é a ketamina?
Criada nos anos 60 como anestésico para uso humano e veterinário, a ketamina – também conhecida como cetamina ou Special K – se tornou um dos principais medicamentos em procedimentos cirúrgicos.
Desenvolvida por Calvin Stevens, ela surgiu como uma alternativa mais segura ao fenciclidina (PCP), apresentando um início rápido de ação e recuperação relativamente curta, além de não suprimir a respiração como outros anestésicos.
Na década de 80, o uso recreativo da ketamina aumentou, especialmente entre jovens em festas, onde era utilizada em substâncias como “Boa noite, Cinderela” devido ao seu forte poder sedativo.
Este uso inadequado trouxe preocupações de saúde pública, incluindo o risco de dependência e outros efeitos adversos.
Efeitos da Ketamina no organismo
A ketamina ou cetamina é conhecida por seus efeitos dissociativos, ou seja, essa droga tem a capacidade de modificar a dinâmica da consciência do sujeito, levando a manifestação de sintomas como:
- Alterações de juízo de realidade (delírios e alucinações);
- Alterações de humor;
- Despersonalização e desrealização, que dizem respeito a um estranhamento com relação a si e ao mundo, respectivamente.
Outros efeitos que podem se manifestar, são: amnésia, alterações físicas como taquicardia, sonolência, pressão alta e a presença de reações psiquiátricas e eróticas.
A ketamina pode causar dependência?
Assim como outras drogas lícitas e ilícitas, a ketamina também pode causar dependência. Isso ocorre quando o uso repetitivo da substância é feito sem orientação médica.
Os sintomas clássicos da dependência incluem irritabilidade, distúrbios alimentares e o desenvolvimento de comorbidades psiquiátricas, como ansiedade e depressão.
A dependência de ketamina se manifesta pela necessidade compulsiva de continuar usando a droga, apesar dos efeitos negativos na saúde física, mental e social do indivíduo.
Quais são os danos causados pelo uso da ketamina?
Por interferir no estado de consciência da pessoa que a utiliza, a ketamina pode elevar o risco de morte acidental e suicido.
Além disso, pelo uso da ketamina provocar modificações na dinâmica de liberação de neurotransmissores no cérebro, ocorrem alterações importantes no armazenamento e evocação das memórias.
No mais, de acordo com o informativo temático disponibilizado pelo Ministério Público do Paraná, a ketamina pode, também, dificultar a mobilidade do usuário, causar náusea, vômito, torpor e problemas respiratórios potencialmente fatais.
Ainda conforme a publicação, os usuários, por sua vez, similarmente podem desenvolver uma “fissura” pela droga.
Em doses elevadas, os usuários podem experimentar o “K-Hole”, um efeito descrito como estar “fora do corpo” ou uma espécie de “quase morte”.
Diferença entre ketamina e escetamina
A escetamina é um spray nasal vendido com o nome comercial de Spravato. Essa substância é produzida a partir da cetamina e há muito tempo pesquisadores vêm analisando a eficácia terapêutica desse composto.
Ambas, cetamina e escetamina, possuem ação no neurotransmissor conhecido como glutamato, trazendo efeitos positivos no tratamento do transtorno depressivo maior.
No entanto, há diferenças significativas entre elas:
- Modo de Administração: a cetamina é geralmente administrada por via intravenosa ou intramuscular, enquanto a escetamina é usada de forma intranasal, o que permite uma absorção mais rápida.
- Velocidade de Ação: os efeitos da escetamina são notavelmente mais rápidos do que os da cetamina, o que é um benefício crucial para pacientes com depressão severa que precisam de alívio rápido dos sintomas.
- Nome Comercial e Formulação: no período que a cetamina passou a ser usada principalmente em hospitais e clínicas para tratamento anestésico e experimental, a escetamina foi formulada especificamente para o tratamento da depressão e é comercializada sob o nome de Spravato.
- Indicações Clínicas: a cetamina tem sido estudada e usada off-label para depressão resistente ao tratamento, ao mesmo tempo que a escetamina foi aprovada para uso em pacientes com depressão resistente, que não respondem a outros tratamentos.
Essas diferenças tornam a escetamina uma opção promissora para pacientes com depressão resistente ao tratamento, oferecendo uma alternativa eficaz com um perfil de administração mais prático e rápido.
O uso da ketamina no tratamento da depressão
O uso da ketamina na depressão é indicado nos casos onde outros medicamentos antidepressivos foram utilizados sem a obtenção de sucesso e remissão dos sintomas depressivos.
Esse quadro é chamado de depressão refratária, ou seja, o paciente já fez uso de antidepressivos de primeira linha associado a psicoterapia e mudança nos hábitos de vida; medicamentos de segunda linha e eletroconvulsoterapia, mas nenhum desses tratamentos surtiu efeito na estabilização do quadro.
O Instituto de Psiquiatria do Paraná, citando caso análogo, aponta que boa parte dos casos de depressão refratária se dá em decorrência do diagnóstico equivocado.
Na verdade, alguns pacientes apresentam transtorno bipolar, mas são diagnosticados com transtorno depressivo maior e por conta disso manifestam uma má resposta ao uso de antidepressivos.
Indicação profissional
O uso desse tipo de medicamento só deve ser feito a partir da indicação de um médico psiquiatra, cirurgião ou clínico. Esses profissionais são os mais capacitados para fazer a utilização correta da medicação.
É importante que toda a equipe que está acompanhando o caso do paciente tenha um conhecimento mínimo sobre esse tipo de medicação, tendo em vista a importância de passar as informações corretas quando surgirem dúvidas com relação ao tratamento realizado.
O monitoramento frequente é crucial para ajustar a dose conforme necessário e minimizar o risco de desenvolvimento de dependência ou outros efeitos adversos.
A supervisão profissional é fundamental para garantir a segurança e eficácia do uso da ketamina como tratamento terapêutico.
Qual a importância do apoio familiar?
Nos casos de dependência, é muito importante que a família busque informações sobre as reações e mudanças comportamentais e sociais que vão se manifestar no sujeito.
Buscar entender esse quadro ajuda a evitar julgamentos e facilita a estruturação de uma rede de apoio adequada.
A presença da família no tratamento da dependência ou da depressão, é um aspecto que ajuda a manter o paciente motivado, aumentando a chance de sucesso do projeto terapêutico.
Tratamentos para a dependência em ketamina
O tratamento para a dependência em ketamina é um processo complexo que envolve várias etapas e abordagens terapêuticas para ajudar o paciente a se recuperar completamente.
O primeiro passo no tratamento da dependência em ketamina é a desintoxicação, onde o paciente para de utilizar a medicação e passa por um processo de limpeza do organismo.
Esse processo geralmente é feito de forma supervisionada por profissionais de saúde, para garantir a segurança e minimizar os sintomas de abstinência.
Ademais, a psicoterapia desempenha um papel fundamental no tratamento da dependência em ketamina.
Terapias como a cognitivo-comportamental e a terapia de grupo são frequentemente utilizadas para ajudar os pacientes a entender e modificar comportamentos associados ao uso da substância.
Além disso, são utilizados medicamentos para controlar os sintomas ansiosos provocados pela abstinência.
A adoção de hábitos de vida saudáveis, por sua vez, é essencial para a recuperação. Isso inclui a prática regular de exercícios físicos, uma alimentação balanceada e a prática de técnicas de relaxamento, como a meditação.
Essas mudanças ajudam não só na reabilitação física, mas também no bem-estar mental do paciente.
Enquanto isso, em alguns casos, a internação pode ser necessária para proporcionar um ambiente seguro e estruturado para a estabilização de quadros psiquiátricos e da dependência química.
Na Clínica Recanto, por exemplo, os pacientes têm acesso a uma equipe multidisciplinar de profissionais qualificados e um ambiente terapêutico adequado.
É importante ressaltar que cada caso de dependência em ketamina é único, e o tratamento deve ser individualizado de acordo com as necessidades e circunstâncias do paciente.
A abordagem integrada, envolvendo diferentes terapias e o suporte contínuo de profissionais de saúde, é fundamental para o sucesso no tratamento da dependência em ketamina.
Saiba mais com especialistas do Grupo Recanto.
Conclusão
Como vimos, mesmo sendo considerada um tratamento revolucionário para os quadros depressivos, a ketamina pode trazer sérios efeitos negativos se o seu consumo não for realizado da maneira correta a partir da indicação de um profissional da medicina.
Vale ressaltar que tanto as drogas lícitas quanto as ilícitas podem trazer prejuízos para a saúde das pessoas que as consomem, por isso é importante ficar atento às dosagens e à frequência de uso desses medicamentos, com o intuito de minimizar os efeitos nocivos e maximizar os efeitos terapêuticos.
O apoio familiar, a busca por informações, uma rede de tratamento bem estruturada e a motivação para a adesão às práticas de reabilitação são a chave para a recuperação do paciente, seja nos casos de dependência da ketamina ou na sua utilização como tratamento para a depressão.
É fundamental que o tratamento seja conduzido por profissionais especializados, com experiência no manejo dessa substância e em transtornos psiquiátricos, para garantir a eficácia e a segurança do paciente durante todo o processo de recuperação.
Fabrício Selbman é Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento, e também é:
- Formado em marketing e pós-graduado em gestão empresarial;
- Especialista em Dependência Química pela UNIFESP. Especialização na Europa sobre o modelo de tratamento Terapia Racional Emotiva (TRE);
- Psicanalista pela Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Professor de Especialização na Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento.