É de conhecimento geral que o uso indevido e descontrolado de medicamentos representa uma questão preocupante, com sérias repercussões na saúde pública e na sociedade como um todo. Entre essas preocupações, destacam-se as chamadas “Drogas Z”, cujo uso inadequado tem despertado uma crescente apreensão. Essas substâncias, destinadas originalmente ao tratamento de distúrbios do sono – como a insônia -, têm sido objeto de um intenso debate devido aos seus potenciais efeitos adversos e à sua propensão ao abuso.
Nesse sentido, é fundamental compreender a epidemia das chamadas “Drogas Z” e entender o contexto de sua utilização, visando a promoção de práticas seguras e responsáveis no âmbito da saúde pública.
O que são Drogas Z?
De acordo com a cartilha “Domínio Epidemiologia” disponibilizada pelo Ministério da Cidadania, as chamadas “Drogas Z” ou “Medicamentos Z” surgiram no Brasil na última década com o propósito de ampliar as opções terapêuticas para o tratamento da insônia.
Geralmente, esses medicamentos têm seus nomes comerciais iniciados pela letra “Z” e são conhecidos como medicações “não-benzodiazepínicas”, embora compartilhem mecanismos de ação semelhantes aos tranquilizantes, como os benzodiazepínicos, que figuram entre as drogas mais prescritas em todo o mundo.
Os benzodiazepínicos, como Temazepam e Rivotril, são sedativos hipnóticos utilizados no tratamento de diversos transtornos, incluindo ansiedade e distúrbios do sono.
No entanto, seu uso para induzir o sono é restrito devido aos diversos efeitos adversos associados e ao alto potencial de abuso. Além disso, o desenvolvimento de tolerância a essas substâncias é rápido, levando muitas vezes ao aumento do consumo para obter os mesmos efeitos desejados.
Apesar da promessa inicial de segurança e menor potencial de abuso, o abuso das Medicações Z começou a ser relatado. Isso pode ocorrer devido à prescrição inadequada, ao uso por períodos prolongados ou em doses excessivas, ou ainda pelo uso sem prescrição médica.
Quais são as consideradas “Drogas Z”?
Tais medicamentos são classificados em segunda e terceira geração, sendo o Zolpidem, a Zaleplon e o Zopiclona pertencentes à segunda geração, enquanto o Eszopiclona é considerado de terceira geração.
Zolpidem
O Zolpidem é um medicamento amplamente utilizado para induzir o sono em pacientes com insônia inicial. Sua ação rápida torna-o eficaz na redução do tempo necessário para adormecer.
No entanto, os efeitos colaterais do Zolpidem podem incluir sonolência residual, tonturas, dores de cabeça, boca seca e até mesmo amnésia anterógrada, onde o paciente pode esquecer eventos ocorridos após a ingestão do medicamento. Em casos raros, o Zolpidem também pode causar reações paradoxais, como agitação, confusão e alucinações.
Zaleplon
A Zaleplon é conhecida por sua rápida indução ao sono, mas sua meia-vida ultracurta limita sua eficácia na manutenção do sono ao longo da noite. Assim como outros medicamentos da mesma classe, os efeitos colaterais da Zaleplon podem incluir sonolência diurna, tonturas, dor de cabeça, boca seca e alterações no paladar.
Além disso, a Zaleplon também pode causar amnésia anterógrada em alguns pacientes, onde eventos ocorridos após a ingestão do medicamento podem ser esquecidos.
Zopiclona
O Zopiclona é utilizado no tratamento da insônia inicial e intermediária, ajudando os pacientes a adormecer mais rapidamente e a manterem o sono ao longo da noite.
No entanto, assim como outras drogas da mesma classe, os efeitos colaterais do Zopiclona podem incluir sonolência residual, tonturas, boca seca, náuseas e alterações no paladar. Em alguns casos, o Zopiclona também pode causar amnésia anterógrada e reações paradoxais, como agitação e irritabilidade.
Eszopiclona
O Eszopiclona, uma droga de terceira geração entre as Drogas Z, é semelhante ao Zopiclona em sua ação no tratamento da insônia.
Seus efeitos colaterais são semelhantes aos das outras drogas da classe, incluindo sonolência diurna, tonturas, boca seca e amnésia anterógrada. No entanto, o Eszopiclona também pode causar distúrbios gastrointestinais, como náuseas e vômitos, em alguns pacientes.
Riscos do Uso Crônico
O uso crônico dessas medicações pode resultar em uma série de complicações graves e potencialmente debilitantes.
Entre os principais riscos associados ao uso prolongado desses medicamentos, destaca-se a ansiedade relacionada à abstinência diurna. Isso significa que os pacientes podem experimentar sentimentos intensos de ansiedade durante o dia, especialmente quando não estão sob os efeitos da droga, o que pode afetar significativamente sua qualidade de vida e bem-estar emocional.
Além disso, o uso crônico das Drogas Z também pode levar ao desenvolvimento de uma variedade de efeitos adversos cognitivos e psicomotores.
A sonolência diurna, por exemplo, é uma queixa comum entre os usuários desses medicamentos, o que pode comprometer a capacidade de concentração, desempenho cognitivo e segurança no trabalho ou ao realizar atividades que exigem atenção plena.
Outra preocupação significativa é o aumento do risco de quedas, fraturas e colisões no trânsito associadas ao uso prolongado das Drogas Z.
Devido aos efeitos sedativos dessas substâncias, os pacientes podem apresentar uma coordenação motora reduzida e reflexos mais lentos, tornando-os mais suscetíveis a acidentes e lesões, tanto dentro quanto fora de casa.
Além disso, o uso crônico das Drogas Z também está associado ao desenvolvimento de tolerância e transtorno aditivo. Com o tempo, os pacientes podem precisar de doses cada vez maiores para alcançar os mesmos efeitos desejados, o que aumenta o risco de dependência física e psicológica.
O transtorno aditivo pode se manifestar na forma de uma compulsão persistente pelo uso da droga, mesmo quando há consequências negativas evidentes para a saúde e o bem-estar do indivíduo.
Em resumo, o uso crônico das Drogas Z não apenas apresenta riscos significativos para a saúde física e mental, mas também pode ter consequências graves e duradouras para a segurança e a qualidade de vida dos pacientes.
Esses riscos destacam a importância de uma abordagem cautelosa na prescrição e no uso desses medicamentos, bem como da implementação de estratégias eficazes de monitoramento e intervenção para minimizar os impactos adversos associados ao seu uso prolongado.
Uso na Adolescência
O uso de medicações Z na adolescência é uma questão delicada que demanda uma avaliação criteriosa e uma abordagem multidisciplinar.
A adolescência é um período de intensas mudanças físicas, emocionais e sociais, e o uso de medicamentos, especialmente aqueles com potencial de impacto no sistema nervoso central, como as Drogas Z, pode ter consequências significativas.
É crucial entender que o cérebro adolescente está em desenvolvimento e é mais suscetível a influências externas. Portanto, o uso de medicamentos Z nessa fase da vida deve ser reservado para casos específicos e cuidadosamente monitorados.
Priorizar abordagens terapêuticas comportamentais e a higiene do sono é essencial para fornecer aos adolescentes ferramentas eficazes para lidar com problemas de sono sem recorrer a medicamentos.
Programas de prevenção que promovem o bem-estar e a competência dos adolescentes para lidar com situações de risco são fundamentais.
Isso inclui educar os jovens sobre os potenciais riscos e efeitos colaterais das Drogas Z, bem como fornecer estratégias alternativas para melhorar a qualidade do sono, como a criação de rotinas regulares de sono, evitar estimulantes antes de dormir e promover um ambiente propício ao descanso.
A participação ativa dos pais e educadores é crucial nesse processo. Eles desempenham um papel fundamental na supervisão do comportamento dos adolescentes e na identificação de sinais precoces de problemas de sono ou uso indevido de medicamentos.
Além disso, pais e educadores podem fornecer apoio emocional e orientação aos jovens, ajudando-os a desenvolver habilidades de enfrentamento saudáveis e a tomar decisões responsáveis em relação à sua saúde.
Tratamentos para combater o vício
Com o aumento alarmante destes medicamentos prescritos para tratamento de insônia, surge uma “epidemia” preocupante que requer atenção imediata. A desintoxicação supervisionada é um primeiro passo crucial para aqueles que lutam contra o vício.
Sob a orientação de profissionais médicos, os pacientes podem passar por um processo seguro de retirada da substância, mitigando os riscos associados à interrupção abrupta do medicamento.
O uso prolongado e abusivo desses medicamentos podem levar a sintomas de abstinência graves, tornando a medicação uma ferramenta vital no tratamento do vício. Medicamentos específicos podem ser prescritos para ajudar os pacientes a lidar com os sintomas de abstinência e a reduzir os desejos pela droga, facilitando assim o processo de recuperação.
Diante da gravidade da situação, as clínicas de reabilitação desempenham um papel fundamental na abordagem desta “epidemia”. Essas instalações oferecem um ambiente estruturado e seguro, onde os pacientes podem receber cuidados intensivos e suporte especializado durante todo o processo de recuperação.
Terapias individuais e em grupo, juntamente com atividades educacionais e recreativas, ajudam os pacientes a entenderem as causas subjacentes do seu vício e a desenvolverem habilidades para lidar com os desafios da vida sem depender da droga.
Saiba mais com a equipe de especialistas do Grupo Recanto.
Conclusão
A complexa problemática das Drogas Z exige uma abordagem cuidadosa. Embora úteis no tratamento de distúrbios do sono, seus efeitos adversos e potencial de abuso destacam a necessidade de análise minuciosa. C
Compreender sua classificação, efeitos e riscos é crucial para uma prescrição responsável. Estratégias de prevenção e educação são essenciais para mitigar danos.
Profissionais de saúde, pais e sociedade devem colaborar para enfrentar o desafio. Uma abordagem integrada é crucial para garantir tratamentos seguros e reduzir os impactos negativos do uso indevido das Drogas Z.
Fabrício Selbman é Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento, e também é:
- Formado em marketing e pós-graduado em gestão empresarial;
- Especialista em Dependência Química pela UNIFESP. Especialização na Europa sobre o modelo de tratamento Terapia Racional Emotiva (TRE);
- Psicanalista pela Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Professor de Especialização na Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento.