Recorrer à internação clínica involuntária de alguém que você ama pode parecer uma medida drástica, mas representa a oferta de uma oportunidade de recomeço.
Como ela acontece com a falta de consentimento, é comum que os familiares se sintam inseguros ao tomar essa decisão e até a evitem, como se estivessem traindo a confiança do adicto.
Desde 2019 é permitida por lei a internação involuntária e a internação compulsória, por mais que muitas famílias tenham receio em relação a isso, o mais importante é garantir a saúde do dependente.
Se você tem esse receio, ele é compreensível, mas não permita que isso prejudique a verdadeira ajuda que pode oferecer ao dependente químico.
É importante entender o que diz a lei acerca do assunto e, mais do que isso, que tipo de benefícios a internação involuntária pode trazer, para além dos preconceitos que ainda rondam o tema.
Com base na minha experiência como diretor do Grupo Recanto, trago informações sobre o assunto ao longo deste artigo. Acompanhe!
O que é clínica compulsória?
Uma clínica compulsória é aquela que atende por uma determinação judicial através de um juiz.
Essa internação faz-se necessária em casos extremos em que não só a vida do próprio dependente está em risco como daqueles que convivem e ficam perto dele.
Frequentemente esses pacientes estão fora de si por conta do efeito das drogas, precisando passar por cuidados e tratamentos específicos para melhorar.
Assim o estado entende que se o dependente e a família não conseguem lidar com a dependência, é preciso intervir para que haja reabilitação forçada.
Leia também: O que é Clínica de Reabilitação?
O que é necessário para internação compulsória?
Primeiro, para a realização da internação compulsória é a realização de um laudo por um médico atestando a necessidade do tratamento.
Segundo, após a confirmação de tal necessidade e aval do juiz é necessário procurar uma clínica capacitada e regulamentada que atenda as especificações do tratamento requisitado e da lei.
E o que é internação involuntária?
A internação involuntária é aquela em que a decisão de levar o dependente químico para uma clínica de reabilitação ocorre sem o seu consentimento.
A ação pode ser tomada quando os familiares percebem que o dependente químico perdeu a capacidade de discernimento e vê a própria autonomia prejudicada.
Ou seja, não é capaz de perceber a gravidade do quadro em que se encontra e que pode representar um perigo para ele próprio e para aqueles que estão ao seu redor.
Qual é a diferença entre internação involuntária e internação compulsória?
Ao pesquisar por possibilidade de recuperação do dependente químico, você pode ler ou ouvir falar a respeito da internação compulsória.
Por isso, é importante esclarecer que são formatos diferentes.
Enquanto a internação involuntária costuma ocorrer a pedido de familiares, a compulsória só pode ser determinada por ordem de um juiz.
O magistrado toma a decisão com base na análise de um laudo médico, que oferece informações sobre o quadro do paciente.
Ou seja, o tipo de autorização utilizada não é o mesmo.
O que a lei diz sobre internação compulsória?
A internação compulsória já é permitida desde 2001 com a lei N° 10.216 no dia 6 de abril do mesmo ano, porém apenas em casos de internação psiquiátrica.
Para dependentes químicos a internação compulsória só passou a valer a partir de 5 de junho com a lei N° 13.840.
Antes disso só dependentes que também apresentem quadros psiquiátricos ou os tenham em decorrência do uso de drogas que poderiam ser internados compulsoriamente.
A internação compulsória deve ser usada quando os outros recursos para tratamento já tiverem se esgotado e a pessoa apresentar risco para si e para os outros.
Para sua realização é necessário tomar como base um laudo médico sobre a pessoa, no qual deverá ser feito por um médico devidamente capacitado e regulamentado.
Deve ser comunicada ao ministério público em até 72 horas de seu acontecimento, tem seu tempo pré-determinado pelo juiz baseado no laudo médico e das necessidades do paciente.
A internação só poderá ser interrompida perante a análise de novo laudo médico, assim o setor judiciário poderá analisar a possibilidade.
A permanência após o término do tempo programado é permitida desde que seja voluntária, ainda assim devendo ser realizado novo laudo médico e informando a justiça.
E qual o respaldo da lei sobre internação involuntária?
O tema é hoje regulamentado pela Lei Nº 13.840, de 5 de junho de 2019.
Entre as principais disposições a respeito da internação involuntária, estão os itens a seguir:
- É realizada após a formalização da decisão por parte do médico responsável
- É indicada depois de avaliação sobre a droga utilizada, o padrão de uso e quando fica clara a impossibilidade de recorrer a outras alternativas terapêuticas
- Pode ser interrompida a qualquer momento pelo familiar responsável pelo pedido de internação ou representante legal
- Devem ser informadas ao Ministério Público ou à Defensoria Pública todas as internações e altas.
Como funciona a clínica compulsória?
Aqui no Grupo Recanto, as internações são sempre conduzidas em um tripé de tratamento, que prevê uma abordagem individualizada e humanizada de cada paciente e da sua família.
Ele é composto pelo aconselhamento, pela Terapia Racional Emotiva (TRE) e pelo Programa de 12 Passos.
Cada um dos métodos traz contribuições únicas para o resultado final pretendido.
O aconselhamento, por exemplo, é um conceito que trata a dependência de álcool e drogas como uma doença biopsicossocial, na qual cada indivíduo é compreendido em seu contexto biológico, psicológico e social.
O objetivo é permitir que ele assuma um estado de consciência que permita entender o seu problema e quais são as limitações que tem diante do vício.
Sentimentos como autopreservação e responsabilidade são trabalhados ao máximo, de modo a facilitar a reinserção social após o tratamento e evitar recaídas.
Já a TRE é uma abordagem terapêutica, na qual o interno aprende a lidar com as suas expectativas, normalmente oriundas de crenças irracionais acerca de si e da realidade em que vive.
Esse trabalho permite que ele desenvolva uma consciência mais realista em relação à maneira como se comporta e os seus sentimentos.
É sobre identificar condutas que precisam ser alteradas pelo potencial nocivo que têm.
Por fim, aplicamos ainda o Programa de 12 Passos, mundialmente disseminado entre as irmandades de mútua ajuda e grupos de apoio, a exemplo do Alcoólicos Anônimos (AA) e Narcóticos Anônimos (NA).
Mais do que um modelo de tratamento, ele funciona como uma filosofia de vida.
Os encontros representam um espaço seguro, onde é possível compartilhar experiências e ouvir os relatos de pessoas que já passaram ou ainda passam pelo mesmo problema.
Tudo isso sem julgamentos.
O foco está em, passo após passo, reprogramar valores e crenças, assumindo a responsabilidade por seus atos.
O andamento acontece no ritmo do próprio indivíduo, o que permite que ele se sinta verdadeiramente responsável por reconduzir a sua vida.
É importante lembrar ainda que todo o processo é mediado por profissionais especializados.
Isto é, que entendem a realidade vivida pelos internos e que sabem realizar o manejo adequado, seja a eventual administração medicamentosa, a definição de um cardápio nutricional específico ou qualquer outro complemento ao tripé terapêutico.
Quando chega a hora de internar um dependente químico?
Não é fácil tomar a decisão de internar em uma clínica de reabilitação alguém que você ama, ainda mais contra a própria vontade.
Mas entender o momento certo para agir é a melhor forma de evitar um agravamento do quadro.
Na maioria das vezes, embora essa não seja uma regra, o dependente químico já passou por tentativas ambulatoriais de tratamento, sem sucesso.
Além disso, é importante ficar de olho em hábitos e comportamentos que possam indicar a perda de autonomia por parte do dependente.
Abandono dos cuidados pessoais, oscilações intensas de peso, agressividade e uso contínuo de mentiras são alguns dos traços que devem acender a luz de alerta.
Contar com orientação médica para entender se a internação clínica involuntária é a melhor solução para o momento também é um aspecto fundamental.
Muitas vezes, a abordagem correta pode se transformar em um fator determinante para que o paciente decida até mesmo concordar com o início do tratamento.
Quais são os benefícios da internação para o dependente químico?
Quando o termo “internação compulsória” ou “internação involuntária” é utilizado, o mais comum é que se olhe, em um primeiro momento, para o fato de a decisão ser tomada de forma unilateral.
No entanto, é preciso aprender a enxergar o assunto a partir de outra perspectiva, com a qual são percebidos os benefícios oferecidos ao dependente químico.
É sobre eles que falo agora.
Quebra no ciclo de consumo
A internação involuntária costuma acontecer em um momento de crise, quando o uso da substância psicoativa ocorre de maneira intensa, com reflexos importantes na rotina.
O primeiro benefício trazido, portanto, é a quebra no ciclo de consumo, que não ocorreria naturalmente, sem um auxílio terapêutico específico.
A partir de então, passando pelo período de desintoxicação, fica muito mais fácil levar o interno a perceber o quão prejudicial o uso de álcool e drogas é para si e para aqueles que ama.
Melhora na saúde
É comum que o uso contínuo e exacerbado de drogas gere comorbidades, que podem variar de acordo com a substância.
No momento em que o consumo é interrompido, é possível também realizar um tratamento com foco específico em outros problemas de saúde que tiveram como origem a dependência.
Ao mesmo tempo, a tendência é que o interno passe a se preocupar mais com a própria saúde, o que pode ser um incentivo para a prática de esportes e o autocuidado.
Aceitação das próprias limitações
Sim, a internação involuntária ocorre justamente quando o dependente químico é incapaz de reconhecer a necessidade de tratamento e as suas limitações diante da doença.
Mas isso não significa que se trate de um quadro irreversível.
Pelo contrário, todo o trabalho realizado tem como foco, fase após fase, mostrar ao paciente que ele pode ter uma vida melhor e com muito mais autocontrole longe do álcool e das drogas.
Pode ser um processo longo, mas também é efetivo.
Oportunidade de recomeço
Ao fim do tratamento, mesmo que o paciente tenha ingressado na clínica de maneira involuntária, ele vai ter recebido todo o suporte necessário para que tenha condições de retomar a sua rotina e recomeçar a vida.
A chance de uma recaída até pode estar sempre presente, mas o indivíduo já vai ter trilhado um longo caminho, conseguindo definir prioridades e construir estratégias para fugir de situações que o coloquem diante da possibilidade de consumo.
Como escolher entre internação involuntária e internação compulsória?
Apesar de serem parecidas, as duas formas de internação possuem certas diferenças, a começar pela autorização, onde a compulsória vem da justiça e a involuntária a partir de um familiar ou tutor legal.
Ambas as modalidades precisam passar por uma avaliação médica, quando o laudo médico dirá se há necessidade ou não de internação.
A modalidade involuntária é mais indicada para casos em que a dependência já causa sérios prejuízos a pessoa, mas ela não aceita sua condição, sendo preciso uma intervenção da família.
Já a modalidade compulsória é indicada em casos mais extremos em que há uma ameaça real à vida da pessoa ou daquelas ao seu redor.
Como fazer a internação compulsória: entenda todo o procedimento
É primeiro preciso a elaboração de um laudo médico sobre a pessoa, após isso o próprio médico pode realizar o pedido ao ministério público se houver necessidade.
A família pode ou não estar envolvida nesse pedido, de maneira que o juiz levará em conta o laudo e outras informações relevantes coletadas do médico e dos familiares para tomar sua decisão.
Após a expedição da ordem judicial, resta apenas procurar uma clínica que possa atender os requisitos e que esteja devidamente regulamentada para a realização do tratamento.
E qual o procedimento para internação involuntária?
O processo de solicitação da internação involuntária tem início pelo contato com o médico.
Por meio de uma consulta, os familiares podem narrar o caso e informar todos os detalhes envolvidos.
Cabe ao profissional, então, emitir um laudo técnico que ateste a necessidade de adotar a medida.
Já a unidade de saúde precisa, por meio do seu responsável técnico, comunicar o Ministério Público Estadual ou a Defensoria Pública, em um prazo de até 72 horas, sobre a internação involuntária.
Como já comentei, o mesmo processo deve ser realizado quando ocorrer a alta do paciente.
Vale ressaltar que o pedido inicial pode ser feito tanto por familiares quanto pelo responsável legal.
Além disso, a Lei Nº 13.840/19 também prevê a solicitação por parte de um servidor público, desde que ele seja das áreas da saúde, da assistência social ou de órgãos públicos que integrem o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad).
Afinal, a internação contra a vontade do paciente é eficaz?
“Se o paciente é internado contra a sua vontade, como o tratamento pode ser eficaz?”
Essa é uma pergunta que já ouvi repetidas vezes ao longo da minha trajetória profissional como diretor do Grupo Recanto.
O que ela ignora é que a posição inicial do paciente pode, sim, ser mudada por meio de uma abordagem atenta e humanizada, na qual ele é compreendido e auxiliado.
Claro, o início tende a ser muito mais difícil quando o interno não quer se envolver e sequer aceita que tem uma doença que precisa ser tratada.
Mas difícil não é o mesmo que impossível – e desistir antes de começar é atestar que o insucesso é o único caminho.
Para entender por que o método pode ser eficiente, é preciso compreender como o processo de recuperação funciona.
A negação é apenas o primeiro estágio, também chamado de pré-contemplação.
Aos poucos, porém, o paciente consegue aceitar que tem um problema (contemplação) e percebe que uma mudança de comportamento é necessária (preparação).
É quando, enfim, ele está preparado para agir (ação) e começar a ver os primeiros resultados da sua mudança.
É uma etapa bastante trabalhosa, que exige perseverança, mas também das mais importantes, pois ensina a evitar os comportamentos de risco.
Por fim, temos o passo permanente de manutenção, um desafio comum a todos que chegam ao fim do tratamento, independentemente se a admissão foi voluntária ou involuntária.
Considerando tudo isso, trago uma resposta direta: sim, a internação involuntária pode ser eficaz.
Como escolher a melhor clínica para internação compulsória ou involuntária?
A melhor clínica para uma internação é aquela que combina estrutura física, suporte profissional qualificado e abordagem sensível ao momento vivido pelo paciente e por sua família, assim como a realidade em que estão inseridos.
Para que o processo funcione, é fundamental desenvolver uma relação baseada na confiança.
Por isso, sempre indico que os familiares façam uma pesquisa prévia e entendam as características das clínicas disponíveis.
Depois do filtro inicial, no entanto, é indispensável ir até o local e entender como os conceitos se aplicam na prática.
Compreender e confiar no método adotado, por exemplo, é um aspecto que faz toda a diferença.
Aqui, no Grupo Recanto, entendemos o interno e a sua família como uma só unidade de cuidado, que tem características próprias.
Afinal, ainda que a dependência em álcool e drogas seja um problema comum a todos os pacientes, cada um tem uma história de vida única, que precisa ser entendida para que a recuperação seja efetiva.
Isso exige, é claro, uma equipe multidisciplinar, incluindo médicos clínicos, psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, terapeutas ocupacionais, educadores físicos, consultores em dependência química e até mesmo instrutores em meditação e yoga.
Analisar todos esses detalhes é a melhor forma de garantir a escolha mais acertada.
Conclusão
Durante meus anos de experiência à frente do Grupo Recanto, já vi muitas famílias se sentirem inseguras e culpadas por estarem realizando uma internação compulsória ou involuntária.
Acontece que dada a situação esses podem ser os únicos instrumentos disponíveis para ajudar seu filho(a), irmão (ã), pai (mãe), afinal essas medidas extremas só são tomadas quando o familiar perde seu autocontrole e sua autonomia.
Essas medidas são um resgate de um momento extremo, para que a pessoa seja tratada de acordo com suas necessidades.
O Grupo Recanto está sempre disponível para ajudar seja qual for o problema, dependência química ou psiquiatria, temos ampla experiência em ambos e profissionais capacitados para tal.
Fabrício Selbman é Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento, e também é:
- Formado em marketing e pós-graduado em gestão empresarial;
- Especialista em Dependência Química pela UNIFESP. Especialização na Europa sobre o modelo de tratamento Terapia Racional Emotiva (TRE);
- Psicanalista pela Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Professor de Especialização na Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento.