Cada um dos seres humanos possui uma relação diferente com a dor, que é um sentido essencial para nossa sobrevivência, afinal de não sentíssemos dor como saberíamos que estamos nos machucando ou estamos a machucar outra pessoa?
Mas e quando uma pessoa está tão fragilizada emocionalmente que prefere se auto infligir dores físicas ao permanecer no estado emocional em que se encontra, o que acontece para que alguém chegue a tal ponto?
Durante a história da humanidade a dor já foi concebida de muitas formas, como punição, tortura, penitência, prazer, mas também a casos em que ela é procurada em busca de alivio.
É exatamente o que acontece durante o processo de autoflagelação, sua condição encontra-se tão angustiante e cheia de culpa que prefere infligir a dor física em si mesmo.
Autoflagelação, o que é?
O nome autoflagelação significa infligir em si mesmo o flagelo, chicote feito de tiras de couro separadas, que foi muito usado durante a idade média de forma religiosa para cristãos e islâmicos se purificarem diante de Deus.
Porém hoje é usado como um termo geral para o ato de se auto infligir dor, seja através de ferimentos, queimaduras, cortes, perfurações e outros meios; para que essa dor física venha aliviar a culpa e a dor interna e emocional.
Automutilação ou autoagressão como também é chamada tem crescido predominantemente entre os jovens e adolescentes, por conta da disseminação desse hábito em redes sociais e jogos, como se fosse um “alívio” para sua dor da alma ou mental.
O processo de autoflagelação está diretamente atrelado a outros transtornos mentais e ao risco de suicídio, portanto não é algo para ser levado com desatenção, pois pode ser indício de algo maior.
Por que as pessoas se autoflagelam
A principal causa se dá por meio dos transtornos mentais e de outros problemas e condições que afetem a saúde mental daquela pessoa, pois esses transtornos fragilizam e por vezes fragmentam o emocional de cada pessoa.
As causas são variadas e principalmente particulares, de experiências traumáticas, sensação de vazio, angústia, solidão, tristeza profunda, não um determinante único para uma causa.
– Depressão
A depressão é uma das doenças mais incapacitantes, além de fragilizar emocionalmente o portador (a) por conta do sentimento de tristeza persistente, angústia e solidão.
Usam a autodestruição no intuito de se autopunir, quando na verdade a pessoa só quer ser acolhida e receber o perdão, seja de si mesma ou de outra pessoa.
Por isso a depressão é um transtorno que facilita tanto para que a autoflagelação se manifeste, fragiliza a pessoa emocionalmente, causa intensa dor psíquica, provoca sensação de vazio e solidão, assim como pode levar ao sentimento de inutilidade.
– Solidão
A solidão momentânea por vezes pode ser um alívio de um momento estressante, porém se o sentimento de solidão perdura, muitas vezes surge o questionamento se tudo o que está sendo feito vale a pena, se alguém liga para você.
Até aí não há nada de errado, o problema é que esses questionamentos podem gerar angústia e tristeza, assim como o sentimento de não pertencimento, que por consequência ajudam com que a autoflagelação apareça.
– Bullying
O bullying e também o cyberbullying são motivações significativas entre os adolescentes e os jovens.
O Brasil é o segundo maior país em casos de ofensas na internet, sendo muitas dessas ofensas configuradas como casos de cyberbullying, de acordo com a pesquisa realizada pelo instituto Ipsos.
Tudo isso pode levar a traumas e desenvolvimento de transtornos mentais e outras condições psiquiátricas, pois para muitos o sentimento do bullying é de como você como pessoa estivesse sendo invalidado.
– Problemas de relacionamento
Seja em brigas e discussões com a família, com os (as) amigos (as) ou mesmo com o namorado (a), por vezes os problemas se arrastam por muito tempo sem uma resolução e acabam por gerar desconforto, estresse e sofrimento.
Há também os casos de términos tão intensos e violentos emocionalmente que é como se o mundo desabasse sobre aquelas pessoas, facilitando com que fiquem emocionalmente instáveis e possam recorrer a autoflagelação.
Principais sintomas da autoflagelação
Como a autoflagelação já é um ato em si, de se machucar e infligir dor a si mesmo na esperança de externar uma dor intensa, ela não possui sintomas, mas sim sinais.
Quem pratica a autoflagelação deixa marcas em seu corpo, como: cortes, rasgos, perfurações, queimaduras, arrancar pêlos e cabelos, hematomas e marcas de impactos.
Mas sentem vergonha do fato de praticarem, além de termo o medo do que as outras pessoas vão pensar ao ver as marcas, desse modo procuram esconder, portando tropas maiores e mais largas, se isolam e evitam locais muito movimentados, assim como mudam o seu comportamento para mascarar esse fato.
Quais os impactos da autoflagelação na vida das famílias?
A pessoa que se autoflagela faz isso por não ter outra forma de escape para sua dor, porque se sente incompreendida, não se sente respeitada e por isso acredita não ter um suporte emocional adequado.
Essa prática como vimos, realiza mudanças no comportamento da pessoa, de forma a facilitar as intrigas e discussões entre a família, afastando ainda mais aquela pessoa que necessita de ajuda.
Desse modo os pais e outros familiares devem servir de suporte emocional para a pessoa afetada, podendo resultar em transtornos mentais tanto para a pessoa quanto para seus familiares durante o processo.
É preciso que os familiares se esforcem para que estejam sempre perto e querendo cuidar da pessoa, pois como uma das tendências é se isolar, em caso de sucesso pode evoluir a tendências suicidas.
Autoflagelação: Tratamentos
Pelo alto cunho de sofrimento emocional e de frequentes danos físicos, alguns de modo irreversível, a autoflagelação é considerada uma condição psiquiátrica e por isso deve-se ir à procura de profissionais capacitados.
Por isso, o recomendado é que se procure um(a) psicólogo (a) e um(a) psiquiatra, para que possa ser devidamente acompanhado e ir sendo tratado pouco a pouco.
O tratamento psiquiátrico consiste na avaliação médica do caso e depois na prescrição de medicamentos se preciso for, geralmente em caso de comorbidade associada, aqui possivelmente um transtorno de humor, como depressão ou afetivo bipolar.
Já o tratamento psicológico, procura ir nas raízes do problema, no porquê teria se originado esse descontrole emocional que levou a autoflagelação, procurando assim corrigir essas falhas para que o processo não venha mais a acontecer.
Como combater a autoflagelação emocional? Conheça os principais tratamentos
A autoflagelação emocional é aquela feita em decorrência de um sofrimento emocional e não por motivos religiosos ou de crenças, embora nenhuma prática de autoflagelação seja recomendada.
Como dito anteriormente é comum que os tratamentos oferecidos sejam de cunho psicológico e psiquiátrico, e de fato são os mais essenciais.
Contudo, há outros tratamentos bons e confiáveis, como por exemplo a internação em clínica de recuperação, porém alerto que esse caso deve ser considerado em casos de comorbidade com outros transtornos mentais ou em caso de autoflagelação com ideações suicidas.
Pois na internação ocorrerá o tratamento psicológico e psiquiátrico, acompanhado de exercícios físicos, alimentação balanceada, momentos de lazer e tudo isso sem as preocupações externas.
Conclusão
Esse é um problema mais comum do que se costuma falar, isso acontece porque existem muitas condições e situações que facilitam o aparecimento da autoflagelação, além do fato de ela ser “incentivada” em algumas comunidades de jovens em redes sociais e grupos.
Dessa forma, em vez de ser combatido, esse problema está sendo fomentado, de modo que, mais e mais pessoas passam a praticar, e o pior achando que é algo comum e normal.
A autoflagelação nada mais é que uma resposta emocional da própria desestruturação da pessoa que a pratica, isso denuncia e serve de sinal para possíveis outros problemas.
Fabrício Selbman é Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento, e também é:
- Formado em marketing e pós-graduado em gestão empresarial;
- Especialista em Dependência Química pela UNIFESP. Especialização na Europa sobre o modelo de tratamento Terapia Racional Emotiva (TRE);
- Psicanalista pela Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Professor de Especialização na Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento.