A Anorexia Nervosa representa uma condição psiquiátrica complexa caracterizada pela recusa persistente em manter um peso corporal considerado minimamente normal. Esta enfermidade afeta predominantemente mulheres e adolescentes, cuja percepção distorcida da imagem corporal está associada a um medo intenso de ganhar peso, variando desde inquietações mínimas relacionadas à ingestão alimentar até um temor significativo de transformação em um estado físico indesejado.
Historicamente reconhecida desde a Idade Média, a Anorexia Nervosa tornou-se mais proeminente no século XIX, quando começou a atrair a atenção dos profissionais de saúde mental. No entanto, o aumento substancial da incidência dessa condição ocorreu nas últimas décadas, possivelmente influenciado pela ênfase contemporânea da sociedade na busca de corpos magros e esteticamente perfeitos, os quais, vale ressaltar, são tão fictícios quanto um unicórnio.
A compreensão profunda da Anorexia Nervosa é essencial, não apenas devido à sua complexidade intrínseca, mas também devido à necessidade premente de oferecer suporte àqueles que estão submersos nos seus desafios. Além disso, a investigação aprofundada pode fornecer insights valiosos para a prevenção de casos futuros dessa condição debilitante. Portanto, a relevância de compreender e abordar a Anorexia Nervosa vai além da mera conscientização, alcançando a esfera crucial da intervenção e prevenção.
Ao longo desse texto será possível explorar bem os fatores biológicos, sociais e psicológicos que contribuem para a complexidade dessa condição. Uma análise aprofundada desses elementos pode fornecer uma base sólida para a compreensão abrangente desse distúrbio, visando, assim, aprimorar estratégias de intervenção e prevenção.
ANOREXIA NERVOSA: UMA DOENÇA PSIQUIÁTRICA
Segundo o Manual MSD, a anorexia nervosa é um distúrbio alimentar em que a pessoa tem uma obsessão constante por emagrecer, uma visão distorcida de seu próprio corpo, um medo intenso de ganhar peso e prática da restrição alimentar, levando a um peso corporal muito abaixo do normal. Ela se manifesta como uma perturbadora convicção de que o corpo está em um estado excessivo de peso, levando a práticas extremas de restrição alimentar. Como já mencionado, este transtorno distorce a percepção da imagem corporal, fazendo com que a pessoa veja uma figura distorcida no espelho, geralmente percebendo-se como excessivamente volumosa quando, na verdade, apresenta extrema magreza.
Segundo o artigo de Eder Schmidt e Gustavo da Mata, Anorexia Nervosa: uma revisão, a complexidade da Anorexia Nervosa é evidenciada pelos sintomas característicos, nos quais a busca por uma silhueta mais esbelta se transforma em um ciclo perigoso de privação alimentar. A distorção da imagem corporal induzida pela Anorexia Nervosa é descrita como uma miragem, na qual a realidade física é eclipsada pela percepção distorcida do corpo. Este fenômeno psicológico, longe de ser um truque de ilusionismo inofensivo, conduz os afetados a um abismo emocional e comportamental, onde a restrição alimentar torna-se uma resposta auto imposta aos temores irreais de ganho de peso.
A discussão sobre o medo associado à Anorexia Nervosa destaca a intensidade emocional experimentada pelos indivíduos afetados. Este medo exacerbado de ganhar peso, expresso em termos de uma reação desproporcional, enfatiza a natureza irracional e intensa da ansiedade associada a esta condição. O Ministério da Saúde informa que, de acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria, estima-se que mais de 70 milhões de pessoas no mundo sejam afetadas por algum transtorno alimentar e, a anorexia nervosa e a bulimia estão relacionadas a maiores taxas de mortalidade dentre os transtornos mentais.
SINTOMAS
A anorexia nervosa apresenta diversos sintomas físicos, alguns dos quais podem resultar em complicações graves, inclusive levando à morte em situações extremas. Entre os achados somáticos característicos, destacam-se manifestações gastrointestinais como constipação e sensação de plenitude após as refeições, além da diminuição da movimentação intestinal que pode alternar com episódios de diarreia devido ao uso de laxantes.
É comum observar bradicardia, em que a frequência cardíaca da paciente fica abaixo de 60 batimentos por minuto. A redução do volume circulante também pode resultar em hipotensão arterial, causando tonturas, queda excessiva da pressão arterial e desmaios. Problemas na regulação da temperatura corporal podem tornar a pessoa mais sensível ao frio, podendo levar a episódios de hipotermia, que, em casos graves, podem ser fatais.
Ao longo do tempo, há uma diminuição dos caracteres sexuais secundários e perda dos contornos dos quadris e nádegas. A amenorreia, ausência de menstruação, é causada por disfunção no hipotálamo e pode persistir mesmo após a recuperação do peso. A pele torna-se ressecada, perdendo o brilho e, em alguns casos, coberta por lanugo. Os cabelos tornam-se finos, frágeis e adquirem uma coloração avermelhada, típica de quadros de desnutrição.
As unhas também podem ficar quebradiças e com crescimento mais lento, tornando-se propensas a infecções fúngicas. Em situações extremas, a anorexia nervosa pode estar associada a problemas oculares como catarata, atrofia do nervo óptico e degeneração da retina.
No âmbito da saúde psicológica, a anorexia nervosa frequentemente desencadeia a manifestação recorrente de ansiedade e depressão, agravando ainda mais os prejuízos emocionais e mentais. A incessante busca pela magreza extrema e as práticas restritivas associadas à alimentação geram um ciclo de preocupações intensas em relação ao peso corporal, forma física e controle alimentar. Ambos os transtornos psicológicos, ansiedade e depressão, entrelaçam-se, amplificando os danos emocionais e mentais causados pela anorexia nervosa.
FATORES QUE CONTRIBUEM PARA A ANOREXIA NERVOSA
Vamos discutir os fatores que contribuem para a Anorexia Nervosa, identificando o que denominaremos como a “trindade da fatalidade anoréxica”. Estes elementos são os fatores biológicos e genéticos, os fatores ambientais e culturais, e a influência da mídia e a obsessão pela magreza.
Começando pelos fatores biológicos e genéticos, segundo a revista Galileu da Globo, há uma descoberta surpreendente de que a Anorexia Nervosa, embora seja um distúrbio psicológico, pode ter fundamentos em nossa biologia. Estudos indicam que determinados genes podem predispor indivíduos à vulnerabilidade para essa condição. Portanto, antes de atribuir complexos de peso a padrões estéticos, é relevante considerar a influência genética nesse contexto.
Passando para os fatores ambientais e culturais, as pressões sociais e o estresse são elementos que podem ser equiparados a formas de bullying psicológico. A sociedade muitas vezes promove padrões irreais de beleza, enquanto os desafios diários podem transformar a alimentação em um desafio hostil. Esse ambiente contribui para uma geração que enfrenta dificuldades em desenvolver uma relação saudável com a comida.
Por último, mas não menos importante, a mídia e a obsessão pela magreza desempenham papéis significativos. Em uma era de mídias sociais, revistas de moda e padrões como os da Victoria ‘s Secret, a magreza é frequentemente associada à beleza e ao sucesso. Este cenário resulta em uma crescente prevalência de distúrbios alimentares e uma sociedade buscando incessantemente conformar-se a padrões irrealistas.
RECONHECENDO A ANOREXIA NERVOSA
Reconhecer a anorexia nervosa pode ser uma tarefa desafiadora, dada a propensão da pessoa afetada em negar a existência do problema e ocultar seus hábitos alimentares incomuns. Esta condição, caracterizada por uma visão distorcida do próprio corpo e comportamentos alimentares prejudiciais, muitas vezes permanece imperceptível para familiares e amigos até que atinja estágios críticos.
Indivíduos com anorexia nervosa, em sua maioria meticulosos, compulsivos e inteligentes, são notáveis por sua habilidade em dissimular o transtorno, tornando a detecção precoce uma tarefa desafiadora. O envolvimento excessivo com padrões pessoais de conquista e sucesso também contribui para a obscuridade do transtorno, já que tais características frequentemente obscurecem a percepção externa da gravidade da situação.
Existem indicadores comportamentais e cognitivos que podem suscitar preocupações e sinalizar a presença da anorexia nervosa. Estes incluem a constante preocupação com o peso, a recusa em reconhecer a magreza evidente, o pensamento obsessivo em relação à comida, a prática meticulosa de pesar os alimentos consumidos e a adoção de estratégias como acumular, esconder ou descartar alimentos.
Além disso, a pessoa afetada pode apresentar comportamentos sociais específicos, como a preparação de refeições elaboradas para outros enquanto evita seu próprio consumo alimentar. O hábito de pular refeições, a simulação de ingestão alimentar ou a divulgação de informações falsas sobre a quantidade de comida consumida também são sinais alarmantes.
O exercício compulsivo, a preferência por roupas largas ou em camadas para ocultar a perda de peso e a prática frequente de pesar-se são comportamentos adicionais associados à anorexia nervosa. Além disso, a autoavaliação da autoestima com base exclusiva no nível de magreza constitui outro indicador crítico.
PREVENÇÃO DA ANOREXIA NERVOSA
A prevenção da anorexia nervosa é um desafio complexo que envolve a conscientização, a educação e a promoção de uma cultura saudável em relação à imagem corporal. Implementar estratégias eficazes para prevenir o desenvolvimento da anorexia requer esforços coordenados em diversas áreas, incluindo a educação, a saúde mental e a mídia.
Em primeiro lugar, é crucial focar em programas educacionais que abordem a importância de uma relação saudável com a alimentação e o corpo desde cedo. Incluir componentes sobre autoestima, aceitação corporal e habilidades de enfrentamento pode ajudar a equipar os indivíduos com ferramentas necessárias para resistir às pressões externas que contribuem para o surgimento da anorexia.
Além disso, é imperativo envolver profissionais de saúde, educadores e pais na identificação precoce de sinais de comportamentos alimentares prejudiciais. A criação de ambientes onde as discussões sobre saúde mental são abertas e destituídas de estigmas é essencial para incentivar aqueles que precisam de ajuda a procurar suporte sem receios.
A influência da mídia na formação da imagem corporal não pode ser subestimada. Portanto, promover uma representação diversificada e realista dos corpos na mídia é fundamental. Campanhas de conscientização que desmistificam os padrões inatingíveis de beleza e destacam a importância da saúde e bem-estar sobre a magreza extrema podem contribuir significativamente para a prevenção.
Outro aspecto relevante é enfocar o fortalecimento das habilidades de enfrentamento e resiliência emocional. Ensinar estratégias saudáveis de enfrentamento do estresse e promover a compreensão de que a saúde vai além da aparência física são fundamentais para prevenir a anorexia.
TRATAMENTO E REABILITAÇÃO DA ANOREXIA NERVOSA
O processo de tratamento frequentemente implica uma redefinição fundamental da percepção em relação à alimentação. Este procedimento, conhecido como reabilitação nutricional, é uma abordagem desafiadora. No entanto, profissionais especializados em nutrição desempenham um papel crucial nesse processo, utilizando estratégias específicas para gerenciar a resistência e os desafios associados a mudanças na dieta, é importante ressaltar que nessa reabilitação nutricional, a reintrodução dos alimentos deve ser gradativa, caso contrário provocaria uma sobrecarga cardíaca muito grande.
Os médicos desempenham um papel essencial na supervisão médica durante o tratamento da anorexia. Sua responsabilidade é garantir que as funções corporais sejam monitoradas cuidadosamente para evitar complicações sérias durante a fase de reabilitação. Este aspecto destaca a necessidade de equilibrar a restauração da saúde mental com a preservação da integridade física.
Além disso, o apoio psicológico representa uma peça fundamental no tratamento. O acompanhamento por psicólogos especializados proporciona um suporte emocional valioso, indo além do simples aconselhamento. Essa abordagem visa criar uma rede de apoio eficaz para momentos de desânimo e desafios emocionais, contribuindo para a resiliência do paciente ao longo do processo de tratamento.
É sempre importante destacar que o tratamento da Anorexia Nervosa é um processo complexo. Se enfrentam desafios significativos que requerem adaptações contínuas, pesquisa incessante e, sobretudo, muita paciência. A realidade do processo é uma colaboração diligente, sem atalhos, visando a restauração integral do bem-estar físico e mental dos indivíduos afetados por esse transtorno.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, a anorexia nervosa configura um quadro extremamente subversivo, cujas manifestações podem ser analisadas à luz de comportamentos de restrição alimentar exacerbados. Os indivíduos acometidos por esse transtorno empreendem uma abordagem alimentar que, paradoxalmente, coloca em risco a própria vida, assemelhando-se a métodos de insanidade.
As consequências da anorexia nervosa são profundamente graves, incluindo desnutrição, insuficiência de órgãos, perda óssea e, em casos extremos, resultando na morte. Além dos impactos físicos, a dimensão psicológica da condição é significativa. A autoestima é continuamente prejudicada, a autoimagem distorcida e os sentimentos de inadequação constituem um fardo diário.
É importante destacar que a anorexia nervosa é passível de tratamento. A intervenção terapêutica, acompanhamento médico e nutricional, e, em alguns casos, o uso de medicamentos, podem contribuir para a recuperação tanto da saúde física quanto mental dos pacientes. O suporte familiar e o estímulo para buscar ajuda profissional são componentes cruciais nesse processo.
Em resumo, as realidades sombrias da anorexia nervosa demandam uma abordagem séria e atenta, sendo fundamental reconhecer os sinais, promover o diálogo aberto e compreender que a magreza excessiva não constitui sinônimo de beleza ou sucesso, mas sim um apelo desesperado por auxílio.
Fabrício Selbman é Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento, e também é:
- Formado em marketing e pós-graduado em gestão empresarial;
- Especialista em Dependência Química pela UNIFESP. Especialização na Europa sobre o modelo de tratamento Terapia Racional Emotiva (TRE);
- Psicanalista pela Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Professor de Especialização na Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento.