A adicção é um problema sério, que não deve ser minimizado, ignorado ou disfarçado.
Afinal, ir por esse caminho só afasta o indivíduo da busca pelo tratamento e da retomada da sua própria vida, que é justamente do que ele precisa.
Sei como pode ser difícil, tanto para o adicto quanto para os seus familiares, romper a barreira do preconceito e falar abertamente sobre o assunto dependência química em uma abordagem propositiva.
Mas essa é também a melhor forma de evitar que o quadro se torne mais grave.
O objetivo deste artigo é justamente propor a reflexão.
Nas próximas linhas, abordo conceitos, dúvidas comuns e perspectivas de tratamento com base na minha experiência como diretor do Grupo Recanto.
Acompanhe até o final!
O que é adicção?
Adicção é um vício que, normalmente, está associado ao consumo abusivo de álcool e outras drogas.
No entanto, o conceito também pode estar relacionado a qualquer compulsão ou dependência psicológica, seja por comida, videogames, sexo ou outro nicho.
Aqui, o importante para a definição é a falta de controle do indivíduo sobre si mesmo e as suas ações, já que ele não mede esforços para poder saciar o objeto da sua adicção.
Trata-se de uma doença crônica, que, quando não recebe a atenção necessária, pode se agravar de modo progressivo, com prejuízos à vida do adicto e daqueles que compõem o seu círculo afetivo mais próximo.
Adicção significado
Na Roma Antiga, o termo “adictu” era utilizado para definir um “escravo por dívida”.
Ou seja, quem não tinha condições de saldar uma dívida, se transformava em escravo do seu credor, de maneira a saldar o pagamento.
Em seu livro Adicções: paixão e vício, Decio Gurfinkel aprofunda um pouco mais o tema.
Segundo ele, em outros termos, o conceito aborda a antiga lenda do indivíduo que vendeu a sua alma ao diabo e ficou refém do seu algoz.
Assim, o que ocorre é uma inversão da relação entre sujeito e objeto: o sujeito, antes no pleno exercício da sua liberdade, tinha o objeto a seu serviço e desejo; na nova dinâmica imposta, porém, ele mesmo se transforma em objeto do seu objeto, perdendo a capacidade de domínio da situação.
“Adicção” é uma palavra que deriva, justamente, dessa inversão de hierarquia, que é quando o indivíduo passa a se ver controlado pelo álcool ou qualquer outra droga.
Adicção OMS
No lugar de “adicção”, a Organização Mundial da Saúde (OMS) dá preferência ao termo “dependência química”, entendido como a caracterização do comportamento compulsivo.
Desse modo, o órgão define a dependência química como um agrupamento de fenômenos de ordem fisiológica, comportamental e cognitiva em que o uso de uma ou mais substâncias psicoativas assume prioridade muito maior para o indivíduo do que outros comportamentos que antes tinham mais valor.
Como ocorre a adicção?
Vamos voltar ao termo “escravo por dívida”, que descrevi anteriormente, para traçar um paralelo em relação ao assunto.
Quando alguém contrai uma dívida, cria para si um cenário positivo, no qual vai adquirir aquilo que deseja, aproveitando os seus benefícios, ao passo em que paga o valor correspondente.
Acontece que é impossível manter o controle completo sobre a situação, pois existem inúmeros fatores do dia a dia que fogem ao nosso domínio.
Quando estamos falando de drogas, a premissa é a mesma: a maioria das pessoas começa pelo desejo de experimentar algo novo e desfrutar das sensações oferecidas, como uma fuga da realidade.
A ideia é de que se possa parar a qualquer momento, mas a verdade é que o modo como o organismo reage é imprevisível, já que estamos falando de substâncias com alto poder de dependência.
O adicto consome a droga uma vez para aumentar a sua disposição, depois se convence de que mais uma dose pode ajudar a ir melhor no trabalho e, quando percebe, as desculpas se empilham, uma atrás da outra.
Quais são os diferentes tipos de adicção?
Embora as características do comportamento compulsivo se repitam, independentemente da substância psicoativa em questão, cada um dos tipos de adicção também traz consigo aspectos específicos, que precisam ser considerados para entender o quadro.
A seguir, comento sobre três deles.
Adicto alcoólico
Como o álcool é uma substância lícita, o seu consumo é socialmente aceito e, muitas vezes, até mesmo incentivado.
Justamente por isso, pode ser tão difícil identificar o limite entre o uso social e o abusivo.
O primeiro passo é ter a consciência de que o alcoolismo é, sim, uma doença – e que, como tal, precisa de suporte para ser superado.
O abandono de responsabilidades, o desejo constante pelo consumo do álcool e o envolvimento em situações de perigo são sinais que devem acender o alerta para a necessidade de buscar ajuda.
Adicto de cocaína
A cocaína é uma droga definida como estimulante, conhecida por desencadear sensações como euforia e estado aumentado de alerta.
E é na busca por viver tudo isso que muitas pessoas resolvem experimentar a substância, vendo nela uma forma de manter a energia e conseguir suportar altas cargas de trabalho.
Por trás dessas características, no entanto, está também o comprometimento severo do organismo e a rápida capacidade da droga de gerar dependência.
O sistema cardiovascular é um dos mais afetados, além do neurológico.
Adicto de crack
O crack é produzido a partir da pasta da cocaína, que é misturada a inúmeras outras substâncias sem nenhum controle, o que torna até mesmo difícil prever a ampla gama de danos irreversíveis que podem ser causados ao organismo.
Ele está entre as drogas com mais alto potencial de adicção – duas vezes mais que a cocaína, por exemplo.
Isso ocorre, sobretudo, porque o seu efeito é rápido, durando cerca de cinco minutos.
Em seguida, vem a sensação de fissura, em que o adicto quer repetir o consumo.
O que é ser adicto?
De tudo o que já falei até aqui, fica fácil perceber que ser adicto não é uma decisão consciente do indivíduo: representa a perda do controle diante do uso de uma ou mais substâncias com alto poder dependência.
Essa abordagem é especialmente importante por dois motivos.
O primeiro tem a ver com o preconceito que ronda o tema e que coloca o dependente como alguém que deseja estar aonde chegou.
O segundo está relacionado à percepção do quão relevante é não subestimar o consumo de drogas, pois o que pode iniciar como algo inocente tem potencial para se transformar em adicção.
Entenda quais são os sintomas da adicção
Com frequência, recebo perguntas sobre qual seria a personalidade de um adicto.
A questão, em geral, parte de familiares que buscam, na verdade, identificar traços e sintomas que possam indicar um quadro de dependência.
Abaixo, relaciono alguns dos principais, que merecem atenção especial.
Vale ressaltar, no entanto, que eles devem ser analisados em contexto, entendendo a realidade individual e outros indicativos associados.
Alterações de humor
Um dos primeiros sinais relacionados ao consumo abusivo de substâncias psicoativas é o surgimento de alterações de humor, que podem ocorrer de maneira bastante brusca.
As manifestações variam de acordo com a droga, mas costumam incluir ansiedade, irritabilidade e introspecção.
Em geral, surgem como parte do desejo contínuo pelo consumo e tendem a se intensificar quanto maior for o tempo desde o último uso.
Mudanças na alimentação e no sono
Também dependendo da droga, é possível que ocorra o aumento ou a diminuição do apetite.
Isso acontece por conta das alterações metabólicas provocadas pela substância no organismo.
O mesmo vale para o sono, que costuma ser dificultado ou não reparador, gerando cansaço e fadiga.
Perda de interesse
O abandono de amigos antigos e até de responsabilidades é outro forte indicativo do uso abusivo de drogas.
Afinal, a adicção se transforma no foco da vida do indivíduo, que passa a não mais se importar com aquilo que antes podia ser essencial para ele.
Ou seja, tanto no trabalho quanto no círculo social a ausência e a falta de comprometimento se sobressaem.
Manifestações de paranoia
Combinando as alterações neurológicas que a droga pode causar no organismo com o forte desejo de negar a dependência, é comum que o adicto adote uma postura paranoica, de modo que se sinta vigiado e acusado por todos.
Qualquer pergunta mal interpretada ou sensação de que está sendo interrogado pode levar a um comportamento mais agressivo e hostil.
Como lidar com um adicto?
Todos os sinais e sintomas que descrevi acima podem levar familiares e amigos ao afastamento.
No lugar disso, no entanto, é importante perceber que o adicto precisa de ajuda – talvez ele não esteja pronto para admitir, mas, ainda assim, necessita.
Confrontos diretos, que logo se transformam em discussões, não representam a melhor abordagem.
Pode ser difícil, mas é necessário ter paciência e demonstrar apoio.
Evitar tocar no assunto nos momentos em que o adicto esteja sob efeito da substância também é um cuidado que deve ser tomado.
O caminho a ser trilhado é o de mostrar o quanto ele tem perdido, e o que ainda pode perder, ao seguir no consumo do álcool ou de outras drogas.
Além disso, é claro, oferecer o suporte especializado necessário para que ele possa retomar o controle da sua vida.
Sobre isso, falo mais a seguir.
Afinal, adicção tem cura?
Como já apontei, a dependência caracterizada pela adicção é uma doença crônica, que não tem cura.
O que quero dizer com isso não é que se trata de um caso perdido, mas sim de que ele precisa de atenção permanente, para que a sobriedade alcançada a partir do tratamento seja mantida dia após dia.
Sobre ele, comento mais a seguir.
Como funciona o tratamento de adicção?
Aqui, no Grupo Recanto, a internação do adicto é seguida por uma abordagem composta por três pilares: aconselhamento biopsicossocial, Terapia Racional Emotiva (TRE) e Programa de 12 Passos.
O primeiro consiste em entender o paciente com base em seu contexto biológico, psicológico e social.
O objetivo é levá-lo a um estado de consciência que permita compreender não apenas que tem um problema e precisa de ajuda, mas quais são as suas limitações acerca da doença.
Aspectos como autopreservação e senso de responsabilidade são trabalhados de maneira intensa, como parte do processo de recuperação.
O segundo pilar do tripé de tratamento é a TRE, um modelo terapêutico no qual o interno aprende a lidar com as expectativas pouco realistas que cria em relação a si mesmo e aos outros.
Aqui, o foco está em desenvolver uma consciência mais realistas a respeito de como se sente e o modo como se comporta diante desses sentimentos.
É sobre reconhecer condutas que precisam ser revistas.
Por fim, temos o Programa dos 12 Passos, que ficou mundialmente conhecido por sua aplicação nos grupos de mútua ajuda, a exemplo do Alcoólicos Anônimos (AA) e do Narcóticos Anônimos (NA).
Trata-se de criar um ambiente de acolhimento e de troca entre pessoas que vivem ou já viveram experiências muito parecidas por conta da adicção.
O paciente é estimulado a viver um dia de sobriedade por vez, sem tentar antecipar passos ou criar atalhos.
É trabalhada a espiritualidade – que não deve ser confundida com religiosidade -, assim como a reprogramação de valores e crenças.
Com esse tripé e o suporte de uma equipe multidisciplinar especializada, além de uma estrutura física completa, desenvolvemos um processo terapêutico que ajuda o interno não apenas a encarar a sobriedade, mas também a recuperar a sua vida com qualidade.
Afinal, a dependência não tem cura, mas tem solução.
Conclusão
Ao longo do artigo, tentei elucidar conceitos sobre adicção e abordar situações comuns, de modo a auxiliar familiares, amigos e os próprios pacientes na identificação de um quadro que necessita de ajuda especializada.
Ao ler o texto, talvez você reconheça muitos pontos que chamam a atenção, mas ainda permaneça com um pé atrás, mentindo para si mesmo e evitando o enfrentamento.
Posso dizer que é algo bastante frequente, mas proponho uma reflexão final: enfrentar os problemas não é uma saída mais eficaz do que apenas negá-los e esperar que eles desapareçam?
Pode ser assustador e certamente bastante difícil, mas, às vezes, precisamos ir além para tomar a atitude certa.
Como diretor do Grupo Recanto, fico sempre disponível para ajudar.
Basta preencher o formulário disponível no site e aguardar o contato da nossa equipe.
Fabrício Selbman é Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento, e também é:
- Formado em marketing e pós-graduado em gestão empresarial;
- Especialista em Dependência Química pela UNIFESP. Especialização na Europa sobre o modelo de tratamento Terapia Racional Emotiva (TRE);
- Psicanalista pela Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Professor de Especialização na Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento.